A decretação de intervenção federal no Rio de Janeiro é o coroamento de décadas de negligência e arbítrio na condução da política de segurança pelo Estado brasileiro. Nos últimos 20 anos, mais de 1 milhão de pessoas foram vítimas de homicídios no Brasil. Nossas polícias estão entre as que mais matam e as que mais morrem, numa demonstração clara de sua impotência.
Salvo honrosas exceções, pouco foi feito para modernizar as polícias e prover à sociedade brasileira o sistema de segurança pública de que necessita. A questão é por que nenhum governo, conservador ou progressista, foi capaz de assumir uma agenda de reforma do sistema de segurança?
Creio que a resposta está no poder que as polícias passaram a exercer sobre os governadores, as bancadas estaduais no Congresso Nacional e, em especial, sobre o Senado, composto de ex-governadores e aspirantes aos governos estaduais.
Se na Primeira República as polícias estaduais eram consideradas verdadeiras guardas pretorianas dos governadores, com a explosão da criminalidade violenta nos anos 1990 os governadores passaram a ser reféns das suas polícias. O temor dos governadores de que a ordem pública ou o sistema carcerário entrassem em colapso favoreceu o estabelecimento de uma relação de conluio entre sistema político e órgãos de segurança, em detrimento da população, inviabilizando qualquer proposta de reforma contrária aos interesses das corporações.
Com isso, a situação da segurança pública em grande parte do país foi se deteriorando. Em algumas regiões, vive-se há muito tempo um verdadeiro estado de anomia, onde vigem apenas as “regras” do crime, das milícias e do arbítrio policial.
Sem que haja um esforço real das diversas instâncias do Estado brasileiro, em especial do governo federal, para dar início a uma profunda renovação de nosso sistema de segurança, a decretação da intervenção será inócua. Um evento pirotécnico que, no entanto, gerará muitas vítimas, dada a sua natureza militarizada e a ausência de limites legais. Foi o que ocorreu no passado. Tivemos inúmeras “intervenções informais”, inclusive no Rio de Janeiro, sem qualquer resultado positivo para a população a médio e longo prazo.
O Brasil precisa de uma ampla reforma do seu sistema de segurança. Precisamos uma polícia mais bem treinada, integrada, honesta, bem paga e que faça extensivo uso de inteligência e tecnologia. Sobretudo, precisamos de uma polícia que aja de acordo com a lei e que esteja orientada à solução dos problemas da comunidade.
A estrutura atual, em que há duas instituições que competem por poder e ganhos corporativos; na qual grande parte dos policiais têm dois ou três empregos para conseguir chegar ao final do mês; onde o lucro das empresas de segurança privada, de propriedade de muitos policiais, apenas cresce na medida em que a segurança pública se deteriora; e onde a chamada “banda podre” é sócia do crime tornou-se insustentável.
A sociedade brasileira precisa ter clareza de que a manutenção do atual modelo de segurança pública só beneficia criminosos, uma minoria de maus policiais e políticos proxenetas. Embora torça, temo que a atual intervenção pouco ou nada contribuirá para o enfrentamento desses interesses.
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