Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)

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Oscar Vilhena Vieira

Estocada institucional

O pedido de impeachment é uma iniciativa tosca para intimidar o STF

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Um grupo de 16 parlamentares protocolou esta semana um pedido de impeachment contra os ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), alegando que violaram a separação de poderes, ao decidirem que condutas homofóbicas estão abarcadas pelos crimes previstos pela lei 7.716/89, que cuida dos crimes de racismo.

A Constituição determina que a "lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais", por força de seu artigo 5º, XLI. Ao longo de mais de 30 anos o parlamento não cumpriu, covardemente, a sua obrigação de estabelecer uma lei punindo condutas homofóbicas. Ao Supremo foi demandado (ADO 29) que declare a omissão do legislador inconstitucional e que supra essa lacuna legislativa, de forma a que os direitos e garantias previstos na Constituição não fiquem sem a devida tutela. Como se pode perceber, não se trata de uma demanda simples.

O ministro Celso de Mello, ao proferir seu extenso voto, deixou claro que o Judiciário não pode legislar sobre matéria penal, pois isso seria uma "clara transgressão ao postulado constitucional da separação dos poderes", assim como uma ofensa a vedação absoluta ao primado de que "não há crime sem lei anterior que o defina", estabelecido pelo artigo 5º, XXXIX, da Constituição. Mais do que isso, o ministro também afirmou que não se pode estabelecer um crime por analogia, ou seja, não se pode punir uma conduta não tipificada como crime por ser ela análoga a outra conduta estabelecida como crime.

O ministro Celso de Mello argumentou, no entanto, que a discriminação decorrente de preconceito baseado em identidade de gênero ou orientação sexual encontra-se compreendida pelo crime de racismo. Apresentou uma série de precedentes em que o Supremo afirmou que o conceito de racismo não está associado a distinções de natureza genética, mas sim a uma construção histórica cultural. Como salientou o ministro Maurício Correa no julgamento do caso Ellwanger, "os crimes previstos pela lei 7.716/89 abarcam as condutas homofóbicas". Para Celso de Mello, o conceito de racismo tem uma origem infeliz e equivocada, decorrente da noção de que existem raças geneticamente inferiores e superiores. Hoje, no entanto, esse termo evoluiu para um sentido muito mais amplo, que engloba todas as formas de discriminação, inclusive a homofobia, que seria uma espécie contemporânea de racismo.

Podemos concordar ou não com a interpretação abrangente conferida pelos ministros à lei de racismo. É uma questão que pessoas bem-intencionadas e versadas em direito podem honestamente divergir. Pessoalmente entendo que a decisão do Supremo não foi a mais acertada, em face do primado da estrita legalidade penal. Mais do que isso, foi uma decisão pouco prudente. Num momento regressivo como o que vivemos, a decisão do Supremo abre um perigoso precedente, por exemplo, para que atos de protesto possam vir a ser interpretados como crimes de terrorismo, por gente que não gosta da democracia.

Acusar os ministros de terem cometido um crime de responsabilidade, no entanto, é uma forma distorcida e tosca de intimidação. Uma torpe estocada institucional contra a autonomia e a independência do Judiciário, prevista na Constituição.

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