Pablo Acosta

Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)

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Pablo Acosta
Descrição de chapéu América Latina refugiados

Acolher imigrantes venezuelanos é o melhor caminho também para brasileiros

Aporte de mão de obra, com diferentes níveis de qualificação, tende a suprir as necessidades locais e a gerar mais renda

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Desde 2015, em torno de 5,4 milhões de venezuelanos deixaram suas casas devido ao agravamento da crise econômica e social. Desse total, 261,000 estão no território brasileiro buscando uma vida melhor. Os venezuelanos representam 18% dos 1,3 milhão de refugiados, exilados e migrantes no Brasil —a maior fatia do país, que oferece poucas restrições legais inclusive com autorização rápida da permissão para trabalhar, além de garantir acesso aos sistemas de saúde, educação e proteção social independentemente de status legal. Ainda assim, o sonho dos refugiados de serem integrados plenamente não é tão simples de ser alcançado.

Um recente estudo do Banco Mundial, em parceria com a ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados, aponta alguns dos obstáculos comuns para que esta população vulnerável tenha acesso efetivo a educação, mercado de trabalho e proteção social como acontece com a população em geral. Também aponta que a partir de meados de março de 2020, houve uma redução dramática nos movimentos transfronteiriços, devido aos controles mais estritos nas fronteiras para conter a disseminação da Covid-19.

Mas para aqueles que já estão no país, o estudo mostra que, em média, apesar de ter uma ampla participação laboral, os venezuelanos têm uma probabilidade 64% menor de serem empregados no setor formal em comparação com os brasileiros. A maior parte dos refugiados e migrantes estão alocados no setor de hospitalidade e serviços, majoritariamente com trabalhos precários e informais, que foram exatamente os mais afetados pela pandemia de Covid-19.

Além disso, suas crianças têm 53% menos probabilidade de frequentar a escola, enfrentando dificuldades de adaptação. A mais importante delas é a barreira da língua, mas há também dificuldades na obtenção de certificados de equivalência. Assim, apenas 42% das crianças venezuelanas em idade escolar estão matriculadas na escola, e mesmo quando matriculadas, elas tendem a sofrer rebaixamento de série. Isso tem impacto negativo no aprendizado com defasagem difícil de se recuperar, afetando o pleno desenvolvimento humano.

O estudo indicou também que, apesar de ter direito ao acesso a programas como Bolsa Familia ou Auxílio Emergencial da mesma forma que seus pares brasileiros (quando qualificam pelo nível de renda), os venezuelanos tinham uma probabilidade 30% menor de serem registrados no Cadastro Unico (a porta da entrada dos programas de assistência social), e em outras maneiras de registro estipuladas pelos benefícios emergenciais (como aplicativos), seja pela falta de informação, documentação, ou outras barreiras de acesso.

O acolhimento é crucial para os imigrantes se tornarem cidadãos e exercerem suas capacidades de forma plena na comunidade, promovendo sua inclusão e autonomia para poder retomar as atividades, fazer investimento em capital humano e ter a oportunidade de prosperar. Mais que isso, a migração traz benefícios ao desenvolvimento econômico e social na maioria dos países que os acolhem. Mas como reverter o cenário atual?

Estudos precisam trazer ainda mais evidências sobre quais fatores ajudam a alcançar essa trajetória. Mas as experiências internacional e brasileira indicam alguns caminhos para promover uma maior integração desta população.

A Operação Acolhida, programa de realocação voluntária do Governo Federal em parceria com a ACNUR e entidades da sociedade civil, tem ajudado os venezuelanos a encontrarem cidades com mais oportunidades de trabalho desde 2018. Esses esforços devem continuar, mas devem ser complementados com programas customizados de ativação ao mercado de trabalho para incluir intermediação de empregos e qualificação focados em habilidades que ajudem na inserção (como o idioma), de forma a superar as barreiras para busca de empregos e para a manutenção no mercado laboral.

Outra iniciativa recomendada é a implementação de processos mais simples de validação educacional e verificação de credenciais e habilidades laborais. Isso diminuirá o descompasso encontrado nas escolas e no mercado de trabalho formal. A oferta de aulas de português é fundamental para ajudar as crianças a se matricularem na escola de acordo com sua idade e apoiar a entrada no mercado de trabalho para os adultos venezuelanos. Além disso, é preciso manter a assistência e acolhida com apoio e orientação específicos a esta população para emissão de documentos e inscrição em serviços e benefícios de educação, saúde e assistência social, dando apoio para poderem retomar suas atividades e autonomia.

Em meio à crise econômica e sanitária vivida pelo Brasil, o acolhimento dos imigrantes venezuelanos se mostra ainda mais difícil. Mas é o melhor caminho também do ponto de vista dos brasileiros: tanto em termos sociais, ao resgatar mais gente da pobreza extrema, quanto econômicos, já que esse aporte de mão de obra, com diferentes níveis de qualificação, tende a suprir as necessidades locais e a gerar mais renda. Acolher favorece quem chega. Mas também quem acolheu.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Rovane Battaglin Schwengber, especialista em proteção social do Banco Mundial.

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