Pablo Acosta

Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)

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Como equilibrar proteção social e estímulos em um programa de transferência de renda?

Dados mostram importância de aperfeiçoar entrada no regime de permanência e de aumentar entendimento das famílias

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Quais as melhores formas de definir regras de saída ou permanência de programas sociais e de transferência de renda? Uma maior exposição aos programas gera efeitos positivos ou negativos? O que dizem as experiências internacionais? Essas são perguntas recorrentes entre formuladores de políticas públicas exploradas em um estudo recentemente lançado pelo Banco Mundial sobre o programa Bolsa Família.

A análise estuda pela primeira vez os incentivos implícitos do programa ao trabalho formal, tomando em conta a interação entre Bolsa Família e os outros impostos e benefícios do complexo sistema Brasileiro. Utilizando uma metodologia padrão da OCDE, foi calculado o percentual de renda do trabalho perdida em decorrência do cancelamento de benefícios sociais e novos impostos, caso o beneficiário aceite um trabalho formal. As taxas do Brasil estão entre 8–10 %, colocando o país em segundo lugar entre os que menos perdem em uma comparação com 30 países da OCDE. Este fato se explica pela diferença entre o baixo valor dos benefícios do Bolsa Família, atualmente em média R$ 190, e o valor do salário mínimo (R$ 1.100), e porque o trabalhador formal também acessa outros benefícios tais como o salário família e o abono salarial.

Também é importante reconhecer o dinamismo do programa Bolsa Família. Os programas semelhantes de transferências em países de renda per capita equivalente à brasileira normalmente trabalham com ciclos de participação previamente definidos, ou seja, quem ingressa permanece por 2, 4 ou 8 anos, com possibilidade de reavaliação ao final do período. O Bolsa Família é muito mais dinâmico, com verificações mensais de elegibilidade. Esse dinamismo permite, em tese, incluir famílias nos momentos que elas mais precisam.

Esse fator faz com que o Bolsa Família conte com entradas e saídas ao longo de todo ano, aproximando a experiência nacional aos programas de renda mínima dos países de renda alta da OCDE. Mas, é importante reconhecer que nos anos recentes essa característica positiva foi neutralizada, em virtude da combinação de restrição orçamentária e aumento da demanda por participar do programa, criando uma fila de espera.

Então, equilibrar estabilidade e dinamismo em um programa de transferência é um desafio conceitual complexo, porém relevante. Bolsa Família procura responder a esse desafio com diversos instrumentos, como a Regra de Permanência. Lançada em 2010, a regra permite que as famílias continuem recebendo os benefícios básicos e variáveis ​​do Bolsa Família por até 24 meses, mediante o cumprimento das condicionalidades (saúde e educação), mesmo que sua renda per capita ultrapasse a linha de elegibilidade, por exemplo após aceitar um trabalho formal.

Para ser incluída na Regra de Permanência e não perder o benefício, a família deve atualizar voluntariamente as informações de renda no Cadastro Único, a renda per capita deve permanecer abaixo de 0,5 salário-mínimo e a renda total da família não pode superar 3 salários mínimos. Essa regra então reforça os incentivos para os adultos da família em procurar e aceitar trabalhos formais, preparando-se para o momento de eventual desligamento. No entanto, em novembro de 2020, apenas 1,7 milhão de famílias de um total 14,3 milhões de beneficiárias estavam na regra de permanência, e só um terço dessas com renda superior a R$ 178 per capita, linha de elegibilidade do programa.

Observada a subutilização do mecanismo de regra de permanência, quais seriam então as principais causas de saída do Bolsa Família? Verificou-se que a maioria dos beneficiários deixa o programa em virtude de averiguações cadastrais, quando as informações prestadas pelo cidadão no Cadastro Único diferem das informações contidas em outros registros administrativos. O segundo grande motivo de exclusão está relacionado a declarações de renda incompatíveis com o benefício social. De forma surpreendente, a terceira causa de exclusão é a ausência reiterada de saque. A regra de permanência responde por apenas 7% das saídas do programa.

Esses dados precisam de uma investigação maior, mais sugerem preliminarmente a importância de aperfeiçoar os mecanismos de entrada nesse regime especial de permanência para evitar a penalização da participação ao trabalho durante esses anos de transição. Também é importante fortalecer o entendimento das famílias das oportunidades oferecidas pela Regra. Essas não são tarefas simples.

A Medida provisória 1061, que institui o Programa Auxílio Brasil em substituição ao Bolsa Família traz uma série de mudanças que devem ser analisadas de maneira mais detida em outro momento. No entanto, no quesito regras de permanência e saída, a opção do governo foi apostar na criação da chamada regra de emancipação e na criação de diversos bônus de estímulo comportamental.

A proposta de alteração da regra de permanência prevê: a desvinculação da linha máxima de renda aceita pelo programa do salário mínimo; tratamento diferenciado para rendas advindas do trabalho, previdência e assistência; e priorização das famílias em regra de emancipação nos programas de inclusão produtiva. Sendo assim, parece estar na direção adequada. No entanto, precisa ser combinada com a ampliação dos serviços de apoio às famílias, facilitação do acesso à regra utilizando informações já disponíveis e uma ampla estratégia de comunicação com os beneficiários. Só assim, todos poderão aproveitar plenamente os estímulos do programa.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Matteo Morgandi, economista sênior do Banco Mundial, Tiago Falcão Silva e Katharina Fietz, consultores do Banco Mundial.

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