Pablo Acosta

Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)

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Descrição de chapéu CRISE ENERGÉTICA

Os desafios do planejamento de sistemas hidrelétricos

Após 20 anos da crise energética de 2001, devemos nos perguntar o que o país precisa acertar para não passar por mais uma situação limite

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O progresso dos países está intimamente associado ao desenvolvimento do setor energético. E não há desenvolvimento energético sustentável sem uma certa ordem no planejamento energético. Hoje em dia o planejamento deve incluir, além da confiabilidade do sistema e a acessibilidade dos clientes, a sustentabilidade do setor de acordo com os compromissos do país em relação à mudança climática.

Após a crise energética de 2001, o Brasil fez um grande esforço para expandir a capacidade do sistema de energia elétrica de acordo com a demanda esperada de eletricidade. O planejamento foi realizado tomando em conta a demanda máxima esperada. Entretanto, devido à crise econômica que começou em 2016, no período 2012-2020, a demanda máxima cresceu muito abaixo da capacidade instalada de geração: entre 1,7% e 4,7% ao ano, respectivamente. Como resultado, à primeira vista, o sistema elétrico parece ter muita folga, medida pela razão entre a capacidade instalada e a demanda máxima, que passou de 1,5 em 2012 para 1,9 em 2020.

É importante notar que, além de poder atender à demanda, a expansão da capacidade de geração instalada procurou diversificar a matriz do setor elétrico e, ao mesmo tempo, reduzir a dependência dos recursos hídricos. Por um lado, a participação da capacidade hídrica instalada foi reduzida de 68,8% em 2012 para 62,5% em 2020 e, por outro, a capacidade instalada de fontes renováveis variáveis aumentou sua participação de 9,6% em 2012 para 20,2% em 2020.

Entretanto, e mesmo que o sistema elétrico brasileiro esteja estruturalmente com folga, em sistemas hidrelétricos, como é o caso do Brasil, naturalmente questões conjunturais podem afetar o abastecimento a curto prazo em situações extremas, dependendo de uma combinação de vários fatores, como o estoque de água na hidrologia dos reservatórios e o crescimento da demanda.

A capacidade de geração em um sistema hidrelétrico depende não apenas do estoque de água nos reservatórios, que é afetado pelas mudanças climáticas, mas também das mudanças na capacidade útil dos reservatórios ao longo do tempo, dos critérios de segurança do operador do sistema e do valor da água armazenada, e da obsolescência da eficiência das turbinas. Portanto, uma avaliação do risco de fornecimento de energia é realizada de forma dinâmica e probabilística, simulando o comportamento do sistema para um conjunto de vazões extremas e representando, em detalhes, toda a dinâmica do processo que pode até incluir algumas medidas de racionamento.

Em dezembro de 2020 nenhuma luz amarela foi acesa para indicar potenciais problemas de racionamento em 2021. Mas o ano de 2021 veio da mão de Pandora em uma caixa que infelizmente foi aberta e liberou a pior seca em 91 anos de registros hidrológicos no Brasil. A situação é bastante crítica na região Sudeste, que está sendo servida com a energia acumulada do Nordeste.

As perspectivas de chuva não estão se materializando e o estoque de água tem piorado em todos os reservatórios. O custo marginal de operação (CMO) do sistema é o preço para liquidar a diferenças entre a produção de um gerador e a sua energia contratada. Como resultado da crise hídrica, o CMO tem atingido níveis nunca vistos no país, acima de R$ 3.000/MWh. Para ter uma referência desse valor, a tarifa média residencial na região Sudeste é de R$ 615/MWhda. Os custos decorrentes da geração despachada independentemente da ordem de mérito são passados aos consumidores através dos Encargos de Serviços do Sistema (ESS).

E o amanhã?

Após 20 anos da crise energética de 2001, e com muita água tendo passado debaixo da ponte, devemos nos perguntar o que o país precisa acertar para não passar por mais uma situação limite em termos de fornecimento de eletricidade. A resposta para esta pergunta não é única e compreende diferentes dimensões, como por exemplo:

1) A dependência excessiva da energia hidrelétrica e a falta de diversificação na mistura de eletricidade; apesar de o Brasil ter feito enormes esforços para aumentar a penetração de fontes renováveis variáveis (biomassa, eólica, solar), o país ainda depende em grande parte do armazenamento de energia nos reservatórios e parece carecer de critérios de resiliência no planejamento do sistema de energia --o que inclui geração e transmissão. A capacidade firme dos reservatórios depende de dois fatores: a) condições hidrológicas, e b) eficiência da planta. As condições hidrológicas são simuladas em séries de longo prazo, que talvez não incorporem o impacto da mudança climática; e com relação à eficiência do plano, os modelos que estão sendo usados talvez não estejam considerando completamente a perda de eficiência dos equipamentos hidrelétricos ao longo do tempo.

2) Falhas de governança e coordenação. Uma das razões pode estar nas falhas de governança e coordenação. Por exemplo, a governança do uso da água e seu valor econômico para os diferentes usos é fundamental. Isto pode redefinir a disponibilidade da água atualmente considerada pelo setor elétrico, o que é uma informação fundamental para o planejamento. Outras razões seriam encontradas na falta de informações corretas e melhores ferramentas computacionais para o planejamento e operação. A resiliência do sistema a eventos graves deveria entrar nos critérios de planejamento, o que certamente levaria a uma matriz energética mais diversificada.

3) Ausência da resposta da demanda e o próprio esquema de formação de preços do setor. O governo já deu os primeiros passos com os programas de resposta voluntária da demanda para grandes consumidores e também para os consumidores na baixa tensão (BT). Mas ainda há um longo caminho por trilhar no que tange à eficiência energética e formação de preços, incorporando sinais de capacidade de demanda (potência), seja contratada ou medida, na BT, além de rever os instrumentos regulatórios usados na distribuição de energia elétrica e na compra de energia elétrica.

Após a tormenta

Como diz o ditado, após a tormenta vem a calma. Vai ser preciso muita calma para pensar os arranjos necessários para que o setor tenha a casa mais bem arrumada para que na próxima tormenta a situação não passe do barulhinho da chuva no telhado de zinco.

Dentre desses arranjos, há medidas de termo médio, como aprimorar as ferramentas de modelagem e planejamento do sistema elétrico, que provavelmente não estão incorporando totalmente a probabilidade de eventos climáticos severos, assim com medidas relativas à governança do setor no que tange ao uso adequado da água.

A eficiência energética deve cobrar um papel relevante no futuro, incorporando os sinais de preços e os incentivos regulatórios adequados. No curto prazo, o país tem um capital humano de alto calibre que certamente pode ajudar e acompanhar o governo nesse período crítico, incluindo a campanha de comunicação à população sobre como está sendo gerenciada a crise hídrica. Por último, é fundamental também comunicar as lições que estão sendo aprendidas, de maneira que o amanhã seja diferente, permitindo a consolidação do setor elétrico brasileiro, que é um dos mais complexos do mundo, como um exemplo de desenvolvimento sustentável.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Carlos Antônio Costa, consultor do Banco Mundial.

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