Pablo Acosta

Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)

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Descrição de chapéu inflação juros

Precisamos definir quem são os pobres no Brasil. Este é o momento certo.

País ainda não tem uma linha de pobreza oficial

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A crise desencadeada pela Covid-19 causou estragos na economia brasileira e no mundo. O PIB mundial caiu 3,2% em 2020 (WEO, julho de 2021) e o Brasil viveu a pior recessão econômica da sua história.

Não fosse pelas medidas emergenciais implementadas no país, os resultados negativos do mercado de trabalho e de quase todos os outros indicadores macroeconômicos teriam se refletido em taxas de pobreza mais altas. No entanto, o Brasil foi o único país da região em que as taxas de pobreza tiveram estimativa de queda em 2020, graças, em grande parte, ao Auxílio Emergencial.

A economia voltou a crescer este ano e deve recuperar grande parte dos prejuízos. Contudo, isso não significa a recuperação da maioria dos postos de trabalho perdidos. E essa é uma questão bastante preocupante, visto que para a maioria das famílias pobres e vulneráveis, o trabalho é a sua única fonte de renda.

Especial Pobreza - Retrato de Cleidia Moreira de Jesus, 41 anos, vive com os filhos em Cidade Estrutural, região administrativa a 15 km do centro de Brasília - Antonio Molina - 24.set.2021/Folhapress

Em junho de 2021, havia quase quatro milhões de indivíduos a menos participando da força de trabalho em comparação ao final de 2019, e entre aqueles que participaram, as taxas de desemprego ficaram acima de 14% – superior ao pico de 13,7% registrado no início de 2017.

Isso impôs ao Brasil um grande desafio, que o levou a uma nova etapa do sistema de proteção social, com a necessidade de uma segunda fase do Auxílio Emergencial. Quarenta milhões de famílias foram beneficiadas, embora com valores inferiores aos de 2020. Infelizmente, o esforço não será suficiente e a estimativa é de que a taxa de pobreza em 2021 seja mais alta do que em 2020.

Nesse sentido, o governo criou uma iniciativa para redefinir o principal programa de proteção social do país. O Auxílio Brasil deve ser lançado até o final deste ano (a depender de aprovação pelo Congresso) e ampliará a cobertura do atual Bolsa Família com alterações nos critérios de elegibilidade de renda e transferência de valores mais altos. Embora o Auxílio Brasil esteja em fase final de elaboração, pouca atenção tem sido dada à questão de “quem são os pobres”. Não abordar este tema agora, no entanto, seria perder uma oportunidade.

O Brasil ainda não adotou uma metodologia oficial de medição da pobreza e, sendo assim, não tem uma linha de pobreza oficial. Para preencher esta lacuna, pesquisadores de instituições locais e internacionais têm recorrido aos parâmetros administrativos de elegibilidade adotados para os programas de assistência social a fim de identificar e monitorar a pobreza.

Tais parâmetros de elegibilidade, no entanto, costumam ser definidos com base em outros objetivos e não refletem necessariamente o custo de satisfazer as necessidades básicas em um país. No caso do Bolsa Família, os tetos dos valores foram estabelecidos em R$ 178,00 por pessoa em 2018 (R$ 89,00 para famílias sem crianças) e permanecem os mesmos desde então.

De lá pra cá, a inflação chegou a 16,5%, reduzindo, com o passar do tempo, o valor real para elegibilidade ao benefício. Em consequência disso, hoje uma família com renda per capita logo abaixo dos tetos estabelecidos tem poder de compra inferior ao de uma família com a mesma renda em 2018.

Por fim, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) usa as linhas internacionais de pobreza do Banco Mundial (US$ 1,90, US$ 5,50) em seus relatórios de indicadores sociais, embora essas linhas sejam destinadas a comparações internacionais e reflitam menos o contexto local.

Em estudo a ser lançado pelo Banco Mundial em breve, analisamos de perto a resposta à pergunta: qual seria o valor da linha de pobreza no Brasil? Esse estudo adota uma abordagem amplamente utilizada, conhecida como o Custo das Necessidades Básicas, e é baseado na Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017/18.

Em suma, a abordagem envolve um processo de três etapas. Na primeira, estima-se o custo típico de uma caloria consumida pelos 40% mais pobres da população com base nas informações de mais de 1.400 alimentos consumidos pelos brasileiros.

Na segunda etapa, calcula-se uma linha de pobreza extrema, também conhecida como linha de insegurança alimentar, multiplicando esse custo pelo total recomendado de calorias.

Por fim, um ajuste referente aos custos de itens não-alimentares é incorporado com base em uma estimativa dos valores destinados pelos brasileiros a outras necessidades, como vestuário, transporte, saúde etc.

Os resultados apontam para uma linha de extrema pobreza de R$ 311,00, calculada com base nos preços de agosto de 2021, por pessoa, por mês. Isso deveria ser suficiente para cobrir as necessidades nutricionais básicas.

A linha de pobreza total – que inclui outras necessidades não-alimentares – é estimada em R$ 548,00. Colocando isso em perspectiva, o valor da linha de pobreza total é semelhante ao teto de renda usado para definir a elegibilidade para os programas de assistência social por meio do Cadastro Único (R$550,00, ou metade de um salário mínimo em 2021).

O diálogo em curso sobre o Auxílio Brasil traz uma questão fundamental sobre a definição da rede de proteção no Brasil e a quem ela deveria ser direcionada. Embora alguns possam argumentar legitimamente que a pobreza é um conceito multidimensional, as linhas de pobreza monetária continuam sendo uma das melhores ferramentas disponíveis para identificar e monitorar o número de pobres.

Independentemente de como serão definidos os orçamentos nacionais ou da imposição de prioridades para beneficiar os mais necessitados, adotar uma estratégia baseada em fatos para identificar os pobres é essencial por pelo menos duas razões.

Em primeiro lugar, ela fornece orientação clara quanto à magnitude da população desfavorecida. Em segundo lugar, ao permitir a análise de fatores determinantes, tais como a educação, habilidades, conectividade etc., ela pode oferecer informações para a elaboração de políticas voltadas à redução da pobreza que vão além das transferências de renda.

Ela também pode permitir a análise adequada da eficácia das intervenções e das reformas políticas, tais como a expansão do Bolsa Família / Auxílio Brasil, por meio do acompanhamento frequente dos indicadores de pobreza.

Em resumo, este é um bom momento para o Brasil se unir à maioria dos países do mundo na definição de uma linha de pobreza sistemática, cujo valor real possa ser atualizado regularmente, e que oriente as políticas sociais de maneira adequada. A oportunidade é agora, enquanto o Congresso discute o desenho e os parâmetros do novo Auxílio Brasil.

Em colaboração com Gabriel Lara Ibarra, economista sênior e Anna Luisa Paffhausen, economista, ambos do Banco Mundial.

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