A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 26) precisa ser lembrada como transformacional –um momento em que a comunidade internacional pensou grande, avançou em uma série agendas e regularizou medidas adotadas no Acordo de Paris, permitindo a mobilização de investimentos substanciais.
A urgência e escala da crise climática demandam por ações concretas e imediatas e não por discursos de boas intenções. Isso se aplica a todos os países, inclusive ao Brasil.
O Acordo de Paris é um tratado internacional juridicamente vinculante adotado por 196 Partes na COP21, em 2015. O Acordo prevê que o aquecimento global deve ser mantido "bem abaixo dos 2 graus Celsius e preferencialmente em 1,5 grau Celsius", quando comparados a níveis pré-industriais, de forma a prevenir desastres climáticos que ameaçam a reversão de décadas de avanços na erradicação da pobreza.
Para atingir tal objetivo, estudos indicam que emissões de dióxido de carbono (CO2) globais causadas pelo homem precisam cair a aproximadamente 45% dos níveis de 2010 em 2030, chegando à neutralidade de emissões em 2050.
Para isso, todos os países precisam elevar suas ambições para a redução de emissões dos gases de efeito estufa em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs pela sigla em Inglês). Hoje, a soma de todas as NDCs cobre somente algo em torno de 20% do necessário para se atingir níveis almejados até 2030.
E, de acordo com um relatório publicado no último dia 25 pela UN Climate Change, elas ainda levariam a um aumento das emissões globais em 16% até 2030 quando comparadas a 2020. Esse aumento pode elevar a temperatura global em aproximadamente 2,7 graus Celsius até o final do século, com possíveis efeitos catastróficos.
O Brasil tem um perfil de emissões bastante distinto de outras grandes economias. Enquanto no mundo, a matriz energética responde por mais de dois terços das emissões totais, no Brasil esse percentual é reduzido a menos de um terço, por conta das fontes renováveis de eletricidade além dos biocombustíveis no transporte, principalmente o etanol. O Brasil se caracteriza por um percentual elevado de emissões oriundas da agropecuária, uso da terra e florestas.
Juntos, eles respondem por 60% das emissões brasileiras. Contribuindo significativamente para esse percentual estão os níveis de desmatamento e incêndios florestais, que, de acordo com dados do Inpe, subiram 137% na região amazônica nos últimos oito anos (de 4,571 a 10,851 Km2). Portanto o que se espera do Brasil na COP26 são compromissos firmes de políticas e medidas efetivas que resultem em reduções substanciais nesses níveis.
Conter o aquecimento global demanda investimentos transformativos na escala dos trilhões de dólares por ano em todos os setores críticos, como uso da terra, energia, indústria, transporte e desenvolvimento urbano, além de planos que levem a uma transição econômica sustentável.
Enquanto as perdas de infraestrutura decorrentes de eventos climáticos já somam hoje mais de US$ 400 bilhões por ano no mundo, países em desenvolvimento têm dificuldade em promover novos investimentos e precisam do apoio de países desenvolvidos.
Esse apoio se faz prioritariamente através de financiamentos climáticos, que resultam ou apoiam ações de mitigação e/ou resiliência/adaptação. Durante a COP 15, em 2009, países desenvolvidos haviam se comprometido a levantar coletivamente US$ 100 bilhões anuais até 2020, destinados a ações climáticas em países em desenvolvimento.
Atualmente, as transferências de fluxos de financiamentos climáticos de países desenvolvidos a países pobres e em desenvolvimento somam pouco menos de US$ 80 bilhões por ano –em diversos formatos e através de diversos veículos. Desses, menos de 20% vem para a América Latina.
Os bancos de desenvolvimento multilaterais são responsáveis por praticamente metade desses fluxos, o que totalizou US$ 38 bilhões em 2020. Desse total, o Banco Mundial respondeu por US$ 21 bilhões e, para 2021, a expectativa é que a cifra chegue a US$ 26 bilhões. Individualmente, o Banco Mundial é o maior financiador climático global a esses países.
No entanto, as mudanças no clima avançam mais rápido do que as negociações internacionais. Por isso, o compromisso das nações desenvolvidas em cumprir com sua promessa é fundamental. O financiamento global precisa crescer várias vezes até 2050 para atingir o nível necessário de investimentos. É evidente que recursos públicos são escassos e o setor privado terá um papel fundamental nessa transição econômica.
Para isso, são necessárias ações públicas paralelas em duas frentes. Na primeira, a criação de um ambiente favorável que melhore a administração dos limitados recursos públicos.
Essas ações incluem aspectos de governança que facilitem a incorporação da mudança do clima em todas as áreas da administração pública, regulações setoriais que eliminem distorções específicas e reformas de políticas fiscais que internalizem o impacto das emissões de gases (como a implementação de um mercado de carbono).
Um dos tópicos que estarão no centro dos debates na COP 26 é justamente o Artigo 6 do Acordo de Paris, que reconhece a cooperação entre nações na implementação de suas NDCs e regula, ou mercado de carbono. Somados, mercados de carbono em todo o mundo chegaram a movimentar US$ 176 bilhões no ano de 2011, pouco antes do seu colapso por conta do atraso em negociações internacionais e da consequente queda abrupta na demanda.
Na época, o Brasil se tornou o terceiro maior país do mundo em número de projetos, com dezenas de milhões de créditos vendidos (apenas o Banco Mundial, , adquiriu 16,5 milhões de créditos de projetos no Brasil).
Com apoio do Banco Mundial, o ministério da Economia coordenou um projeto que avaliou os benefícios decorrentes da implementação de um mercado de carbono nacional. Apenas com um mercado doméstico, o Brasil pode cumprir sua NDC com uma economia de US$ 31 bilhões em 2030, além do aumento do PIB nacional em 2,25% no mesmo ano.
O Brasil detém diversas opções de redução de emissões a custos mais baixos do que a média mundial, em particular em relação aos países desenvolvidos. Com a retomada da demanda internacional por créditos de carbono, essa vantagem comparativa pode significar uma oportunidade estratégica para atração de fluxos de capital estrangeiro para o país.
Na segunda frente, é preciso investir na mobilização de financiamento climático privado. Isso implica no desenvolvimento de produtos financeiros de gestão de risco que facilitem o investimento em setores críticos para o cumprimento das NDCs, e na melhoria do sistema financeiro, aumentando sua transparência, eliminando a assimetria de conhecimento e fomentando a incorporação de riscos climáticos nas decisões de investimento ou financiamento.
Nesse sentido, é bastante positivo o recente movimento do Banco Central do Brasil em fortalecer regras e normas relacionadas ao monitoramento e mitigação de riscos climáticos aplicáveis a todos os agentes que operam no SFN (Sistema Financeiro Nacional) a fim de se evitar riscos sistêmicos. Mudança do clima representa um alto risco à estabilidade do sistema financeiro e sua habilidade em manter o desenvolvimento econômico.
É preciso agir agora. Se nada for feito, essa crise pode levar até 130 milhões de pessoas à pobreza em 2030 e forçar 216 milhões de pessoas no mundo a migrarem em 2050. Estamos diante de um dos maiores desafios humanitários do nosso tempo e o custo da inação é inaceitável!
Esta coluna foi escrita em colaboração com Alexandre Kossoy, especialista sênior em finanças e políticas climáticas para a América Latina do Banco Mundial
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