Pablo Acosta

Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)

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Descrição de chapéu Auxílio Brasil

No pós-Covid, é preciso aumentar a resiliência da população vulnerável

Bancarização com Auxílio Emergencial é oportunidade a ser aproveitada

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Embora o sistema de proteção social brasileiro contenha instrumentos com ampla cobertura para reduzir os riscos da pobreza, extrema pobreza, idade e invalidez, a proteção contra choques de renda do trabalho e dos negócios no Brasil permanece segmentada e depende da situação ocupacional e da composição familiar. Se o sistema funcionasse de maneira perfeita, estima-se que 90% das famílias brasileiras estariam cobertas por algum programa de proteção social. No entanto, o sistema tem falhas de implementação e é desbalanceado, favorecendo os trabalhadores formais.

Em 2019, quase um terço das famílias brasileiras vivia abaixo da linha de pobreza estabelecida pelo Cadastro Único, de R$ 499 per capita, mas muitas delas estavam acima do limite de elegibilidade do Bolsa Família (R$ 189 per capita). Além disso, cerca de 5 milhões de famílias viviam abaixo da renda familiar média e estavam fora do alcance de qualquer forma de renda "protegida" (transferência social, pensão ou seguro-desemprego).

Os dados da PNAD mostram que os trabalhadores com emprego assalariado informal ou autônomos experimentam uma variação de renda pelo menos duas vezes maior que os assalariados formais. Assim, um grande desafio para as famílias vulneráveis é lidar com choques de renda temporários sem afetar permanentemente seu estoque de bens ou de capital humano.

O acesso ao crédito, à poupança ou ao seguro pode ser uma forma de enfrentar esses choques de renda. No entanto, dois terços dos adultos entre os 40% mais pobres da população brasileira informam que não conseguiriam levantar recursos financeiros para enfrentar uma emergência. Entre aqueles que pensam que conseguiriam, recorrer ao crédito informal é mais comum do que ao crédito formal, e ambos são mais comuns do que a poupança (Findex 2017).

Fila para atualização de dados reúne beneficiários do Bolsa Família em Salvador
Fila para atualização de dados reúne beneficiários do Bolsa Família em Salvador - Franco Adailton - 11.nov.2021/Folhapress

Em 2018, um quarto das famílias no Cadastro Único usaram crédito formal, na maioria das vezes por meio de instrumentos de crédito ao consumidor mais caros. O uso do "cheque especial" e o pagamento mínimo da fatura do cartão de crédito são a forma mais comum de endividamento pelos pobres. Apenas um quarto dos empréstimos de Microcrédito Produtivo Orientado são efetivamente oferecidos às famílias no Cadastro Único. Os requisitos rigorosos de qualificação e a menor propensão para investir direcionam esse recurso subsidiado àqueles com histórico de crédito mais formal.

Existe um consenso que as taxas de poupança no Brasil são baixas. Dados da pesquisa de orçamento familiar (POF/IBGE) mostram que, entre a população pobre, os trabalhadores autônomos e assalariados formais em média poupam mais e, em geral, as mulheres poupam mais do que os homens. Em comparação com seus pares internacionais, o brasileiro exibe mais intensamente os vieses comportamentais associados à redução da poupança: superotimismo, preferências temporalmente inconsistentes e baixa confiança.

Adicionalmente, pesquisas especializadas revelam lacunas de conhecimento em conceitos fundamentais de educação financeira, como probabilidade, que limitam a capacidade de tomar decisões financeiras.

Por fim, são poucas as famílias de baixa renda que usam um seguro privado: cerca de 18% da população total do Brasil, mas 3% entre as famílias do Bolsa Família (BF). As pessoas geralmente tendem a adquiri-lo apenas quando é obrigatório (seguro para veículos ou residencial).

Durante a pandemia, o Auxílio Emergencial (AE) foi uma resposta apropriada para mitigar o choque sistêmico que afetou essas famílias sem cobertura. Mas o AE não foi projetado para ser permanente e, além de fiscalmente insustentável, tem incentivos incompatíveis no médio prazo. No entanto, o choque provocado pela COVID-19 exacerbou os desafios enfrentados pelas famílias vulneráveis na gestão da alta volatilidade da renda e trouxe oportunidades para o aperfeiçoamento do sistema de proteção social.

A conexão dos pobres com as instituições financeiras aumentou em 2020 com a abertura de conta digital gratuita pela Caixa Econômica Federal para beneficiários de programas sociais. Abre-se aí uma janela de oportunidade que deve ser aproveitada.

Uma questão relevante durante o período de recuperação do Brasil será como aumentar a resiliência dos trabalhadores vulneráveis e informais, especialmente aqueles que deixam de receber o AE, mas não são elegíveis para assistência social tradicional. O desenho do novo programa de transferência condicionada de renda (Auxílio Brasil) que irá substituir o Bolsa Família é fundamental.

A manutenção do dinamismo do programa e a adequação de sua amplitude e generosidade são essenciais para fortalecer a rede de proteção. No entanto, para proporcionar uma forma mínima de 'seguro de renda' para famílias que permanecem em risco de cair na pobreza após um choque, novas políticas de inclusão financeira podem ser implementadas.

Nos últimos anos, países com grandes economias informais promoveram instrumentos de gestão de risco financeiro sob medida para pessoas com rendimentos baixos e não observáveis. As famílias de baixa renda têm alguma capacidade de poupar —mas de forma irregular. Essas iniciativas podem servir de referência para a agenda nacional. As transferências sociais poderiam ser complementadas com um produto específico de poupança.

As contrapartidas e outros incentivos podem ser uma forma de estimular a poupança para aqueles que estão prestes a sair do programa de transferência ou próximos à linha de acesso. A infraestrutura existente do Cadastro Único poderia ser utilizada por provedores selecionados para reduzir os custos de atração de clientes pelos bancos, sendo esta economia repassada aos consumidores.

O microsseguro e a educação financeira podem expandir as ferramentas à disposição das famílias para diversificar e gerenciar riscos. A educação financeira será fundamental para assessorar as famílias quanto ao melhor uso das contas de poupança e na escolha de produtos mais adequados ao seu perfil. A adoção da educação financeira também pode ser incentivada em troca do acesso a crédito de custo mais baixo, uma vez que clientes com melhor nível de escolaridade apresentam menor risco para os credores.

Essas são algumas das ideias apresentadas no estudo Aumentando a Resiliência dos Trabalhadores de Baixa Renda no Brasil - Instrumentos Financeiros e Inovações, lançado pelo Banco Mundial. Trata-se de uma contribuição importante para o debate de possíveis aperfeiçoamentos no sistema de proteção social brasileiro.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Tiago Falcão, consultor do Banco Mundial.

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