Pablo Acosta

Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)

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Pesquisas por telefone podem ajudar a compreender a população vulnerável

Será crucial usar informações que reflitam os padrões de subsistência do Brasil no desenho de políticas que priorizam os pobres

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Apesar do efeito devastador da pandemia da Covid-19 na economia e no mercado de trabalho brasileiros em 2020, os indicadores de pobreza divulgados recentemente pelo IBGE apresentaram reduções em relação a 2019. Isso ocorreu devido às amplas e significativas transferências de renda realizadas pelo programa de Auxílio Emergencial em 2020. Na verdade, tanto as estimativas do IBGE quanto as simulações do Banco Mundial mostram que, sem essas transferências, a pobreza teria aumentado naquele ano. Segundo um relatório recente do Banco Mundial, nenhum outro país na região da América Latina implementou esse tipo de apoio com impacto semelhante na proteção da população vulnerável em 2020.

Sabemos que em 2021 o programa temporal Auxílio Emergencial precisou ser reduzido e acabou sendo extinto. As transferências de AE alcançaram uma proporção da população muito menor em 2021 em comparação a 2020. Enquanto as transferências em 2020 beneficiaram 68,2 milhões de indivíduos, em 2021 essa cobertura caiu para um total de 39,3 milhões de indivíduos. Porém, o novo Auxílio Brasil, que terá benefícios e cobertura ampliados quando comparaado ao Bolsa Família, mitigará essa queda em 2022.

Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego permaneceu acima dos níveis anteriores à pandemia e muitas famílias estão perdendo o seu poder de compra. O custo de vida das famílias, conforme mediu o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), subiu mais de 9% até o momento neste ano. Estimativas atualizadas sobre o impacto desses fatores na pobreza no Brasil não estarão disponíveis até o ano que vem.

No entanto, é importante que os decisores políticos que procuram proteger as famílias pobres e vulneráveis tenham uma ideia de como as famílias brasileiras estão se saindo em 2021. Dados recentes coletados pelo Banco Mundial por meio de pesquisa realizada por telefone em agosto e setembro deste ano podem fornecer informações valiosas. Segundo essa pesquisa, a situação de mais de quatro em cada dez famílias é pior do que antes da pandemia: em comparação com o período anterior à pandemia, 43,1% das famílias apresentaram renda familiar total mais baixa na época da pesquisa.

Ainda de acordo com a pesquisa feita por telefone, a renda mais baixa proveniente do trabalho é um fator importante por trás da queda da renda familiar total em 2021. Quase metade das famílias (46,3%) relata renda salarial menor em comparação ao período anterior à pandemia, principalmente porque a taxa de desemprego está ainda mais alta do que antes da pandemia.

Além disso, os dados também sugerem que o trabalho se tornou mais precário para aqueles que permaneceram empregados. A pesquisa revela uma redução do emprego formal e um aumento do trabalho autônomo às custas do trabalho assalariado formal. Enquanto 71,8% dos trabalhadores disseram que tinham trabalhos com contribuições previdenciárias antes da pandemia, somente 64,8% afirmaram isso na época da pesquisa. A proporção de trabalhadores que relataram trabalhar como autônomos subiu de 36,5% no período anterior à pandemia, para 42,8% na época da pesquisa –aproximadamente 6 pontos percentuais (p.p.).

Ao mesmo tempo, os dados sugerem uma redução na proporção de trabalhadores assalariados formais em torno de 5 p.p.. A pesquisa também mostra uma redução na média de horas trabalhadas de 42,6 horas antes da pandemia para 39,2 horas à época da pesquisa, e uma tendência para o emprego em empresas menores. Na época da pesquisa, a proporção de trabalhadores empregados em empresas com menos de cinco funcionários e empresas maiores era praticamente igual, ao passo que antes da pandemia apenas 41,7% dos trabalhadores declararam estar trabalhando em empresas menores.

A combinação entre as rendas mais baixas e os preços mais altos da cesta básica e de outros itens essenciais levou muitas famílias a encontrar dificuldades para pagar as suas contas. Quase 40% das famílias disseram que não conseguiam suprir as necessidades básicas no mês de referência da pesquisa. E embora aproximadamente um terço (32,5%) das famílias tenha recebido o Auxílio Emergencial em 2021 de acordo com a pesquisa, mais da metade dessas famílias (56,8%) declarou não ter condições de suprir as suas necessidades básicas. Quase uma em cada cinco famílias (18 %) declarou ter ficado sem comida pelo menos uma vez por falta de dinheiro ou recursos no mês anterior à pesquisa. Em contrapartida, somente 9% das famílias lembram ter vivido essa situação antes da pandemia.

A pesquisa também fornece percepções sobre o quanto as pessoas acham que seria necessário para cobrir as despesas básicas. Os entrevistados relataram que, em média, seria necessário um valor mínimo de R$ 811 por mês por pessoa para suprir as necessidades básicas no Norte do país. Já entre as famílias na região Sudeste, o valor correspondente foi de R$ 1.373. Entre as famílias vulneráveis crônicas (inscritas no Bolsa Família antes da pandemia), essas diferenças persistem: R$ 476 e R$ 884, respectivamente. Esses achados apontam para dois fatos.

Primeiramente, com a mediana da renda salarial per capita em torno de R$ 407 na região Norte, e R$ 661 na região Sudeste, segundo a última pesquisa da PNADC, grande parte das famílias ainda não tem empregos que permitam arcar com as suas necessidades.

Em segundo lugar, o poder aquisitivo das famílias não está desvinculado do local onde vivem, portanto, não se deve aplicar os mesmos padrões em todo o país ao avaliar os níveis de bem-estar. De fato, um estudo recente sobre os custos dos itens básicos no Brasil revelou que a variação regional e ​urbana/rural no país pode representar aproximadamente 20% da variação dos custos de vida entre as famílias menos favorecidas e, portanto, deve ser considerada ao calcular as linhas de pobreza.

Entre a lenta recuperação do mercado de trabalho, a crescente precariedade dos empregos disponíveis e o aumento do custo de vida, incluir políticas efetivas de proteção social se tornou mais importante do que nunca. Para isso, é importante continuar explorando os dados mais atuais possíveis desde já (o que pode ser feito por meio de pesquisas rápidas por telefone) sobre os principais aspectos relacionados ao bem-estar, principalmente aqueles que podem complementar a dimensão monetária, permitindo identificar as principais características dos pobres e vulneráveis. No futuro, será crucial incorporar informações que reflitam os padrões mínimos de subsistência no Brasil como um componente fundamental no desenho de políticas que priorizam os pobres do país.

Esta coluna foi escrita com colaboração das economistas Gabriel Lara Ibarra e Anna Luisa Paffhausen

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