Pablo Acosta

Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)

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Pablo Acosta

Ciências comportamentais podem complementar forma tradicional de fazer política

Formuladores de políticas públicas não podem ignorar as influências psicológicas e sociais que afetam o comportamento humano

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Tradicionalmente, os gestores elaboram políticas públicas tendo como base um agente econômico racional, ou seja, uma pessoa capaz de avaliar cada decisão, maximizando sua utilidade para interesse próprio. Ignoram, porém, as poderosas influências psicológicas e sociais que afetam o comportamento humano e desconsideram que pessoas são falíveis, inconstantes e emocionais: têm problemas com autocontrole, procrastinam, preferem o status quo e são seres sociais. É com base nesse agente "não tão racional" que as ciências comportamentais se apresentam para complementar a forma tradicional de fazer política.

Por exemplo: já nos aproximamos da marca de dois anos desde a declaração pela Organização Mundial da Saúde de estado de pandemia da Covid-19 em 11 de março de 2020. Foram anos desafiadores para governos, empresas e indivíduos. Mas apesar de 2021 ter apresentado sinais de recuperação, há ainda um longo e árduo caminho a ser percorrido para retornar ao menos às condições pré-pandemia. Não apenas na saúde, mas também no equilíbrio das economias, no aumento da produtividade, na retomada de empregos, na recuperação das lacunas de aprendizagem, na melhora do ambiente de negócios, no combate às mudanças climáticas, etc. Obviamente, essa não é uma tarefa simples para governos e organizações. Poderíamos encarar esses desafios de forma diferente e adaptar a maneira de fazer políticas públicas para torná-las mais eficientes e custo-efetivas, aumentando seus impactos e alcance?

A resposta é sim. O sucesso de políticas públicas depende, em parte, da tomada de decisão e da mudança de comportamentos. Por isso, focar mais nas pessoas e no contexto da tomada de decisão se torna cada vez mais imperativo. É importante considerar como pessoas se relacionam entre si e com instituições, como se portam frente às políticas e conhecer bem o ambiente em que estão inseridas.

O professor Richard Thaler em conferência na Universidade de Chicago - Scott Olson - 9.out.2017/Getty Images/AFP

A abordagem comportamental é científica e alia conceitos da psicologia, economia, antropologia, sociologia e neurociência. Orientada pelo contexto e baseada em evidências, concilia teoria e prática em diversos setores. Sua aplicação pode abranger uma simples mudança no ambiente da tomada de decisão (arquitetura de escolhas), um "empurrãozinho" (nudge) para influenciar a melhor decisão para o indivíduo, mantendo liberdade de escolhas, e pode ser mais ampla, visando a mudança de hábito. Para além disso, pode ser chave no enfrentamento de desafios de políticas como abandono escolar, violência doméstica e de gênero, pagamento de impostos, redução de corrupção, desastres naturais, mudanças climáticas, entre outros.

O uso de insights comportamentais em políticas públicas já não é mais novidade. Mais de uma década se passou desde a publicação (2008) do livro Nudge ("Nudge: como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e felicidade", em português), que impulsionou o campo de forma espetacular. Conceitos da psicologia, já amplamente discutidos e aceitos por décadas, foram utilizados no contexto das decisões econômicas e, assim, a economia/ciência comportamental se consolidou.

Acompanhando a expansão e relevância do tema, o Banco Mundial, lançou em 2015 o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial: Mente, Sociedade e Comportamento. Em 2016, iniciou sua própria unidade comportamental, a eMBeD (Unidade Mente, Comportamento e Desenvolvimento) e tem promovido o uso sistemático de insights comportamentais em políticas e projetos de desenvolvimento e apoiado diversos países para solucionar problemas de forma rápida e escalável.

No Brasil, temos atuado na capacitação de gestores para o uso de insights comportamentais, em contribuições em pesquisas, como na Pesquisa sobre Ética e Corrupção no Serviço Público Federal (Banco Mundial e CGU) e em apoio técnico na identificação de evidências, como para informar soluções para aumentar a poupança entre a população de baixa renda. Nossos especialistas prepararam também diagnósticos comportamentais para entender por que clientes não pagam a conta em dia ou deixam de se conectar ao sistema de esgoto. Realizamos experimentos com mensagens comportamentais a fim de estimular a utilização de meios digitais de pagamentos e incentivar o pagamento de contas em dia no setor de água e saneamento. Neste último, apresentando resultados positivos com possibilidade de aumento de arrecadação a um custo baixo, já que as mensagens ressaltando consequências e reciprocidade, por exemplo, aumentaram os pagamentos em dia e a quantia total paga. Para cada mil clientes que receberam o SMS com insights comportamentais, de seis a 11 clientes a mais pagaram as contas. Para 2022, há atividades planejadas, como parte de um projeto de desenvolvimento, que usará insights comportamentais para reduzir o descarte de resíduos em sistemas de drenagem e aumentar o uso consciente de espaços públicos.

As ciências comportamentais não são a solução para os grandes desafios globais. Mas é preciso ressaltar o potencial de sua complementariedade na construção de políticas públicas. Cabe aos gestores aproveitarem esse momento de maior maturidade da área para expandirem seus conhecimentos. Vale ainda surfar na onda de ascensão de áreas complementares, como cesign e ciência de dados, para centrar o olhar no indivíduo e no contexto da decisão e, baseando-se em evidências e de maneira transparente, influenciar as escolhas e promover mudança de comportamento, de forma a aumentar o impacto das políticas públicas a fim de não só retomar as condições pré-Covid, mas melhorar ainda mais a vida e o bem-estar de todos, especialmente da população mais pobre e vulnerável.

Esta coluna foi escrita em colaboração com meus colegas do Banco Mundial Juliana Neves Soares Brescianini, analista de operações, e Luis A. Andrés, líder de programa do setor de Infraestrutura.

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