Pablo Acosta

Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)

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Sustentabilidade da previdência dos estados ainda é um desafio

Sistema previdenciário consome parcela desproporcional do gasto público

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O sistema previdenciário consome uma parcela desproporcional do gasto público no Brasil. Particularmente oneroso é o regime previdenciário dos servidores públicos. Embora cubra apenas 9% dos brasileiros que têm direito à previdência, o gasto com os servidores públicos equivale a mais de 30% do gasto previdenciário total do país. Os problemas se originam com a grande onda de contratações de servidores após a promulgação da Constituição de 1988, e os generosos pacotes de benefícios concedidos aos servidores naquela época impactam, ainda hoje, a sustentabilidade fiscal e política dos governos estaduais.

Aposentadoria é benefício, não salário. Mas dois atributos originais desse benefício previdenciário obscurecem essa distinção e tornam o regime previdenciário especialmente oneroso. O sistema previdenciário foi estabelecido com base na integralidade e na paridade do benefício. Integralidade garantia que a aposentadoria e o benefício de pensão por morte correspondessem à totalidade do último salário do servidor quando este era um trabalhador ativo. Paridade significava que os aposentados e seus dependentes tinham direito a todos os aumentos salariais associados ao cargo do qual o ex-servidor se aposentou.

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Cédulas de real - Gabriel Cabral - 21.fev.2019/Folhapress

Durante as primeiras décadas, o impacto dessa provisão generosa do pacote de benefícios nas finanças de governos subnacionais não era significativo, uma vez que o número de aposentados ainda era baixo. O início do século 21, no entanto, marcou um rápido amadurecimento desses regimes previdenciários, particularmente quando a grande onda de contratações traduziu-se em uma grande onda de aposentadorias. Assim, a proporção de contribuintes para beneficiários diminuiu sensivelmente. O fenômeno prejudicou as finanças subnacionais, comprometendo a prestação de serviços e o investimento, tendência que deve permanecer por pelo menos mais duas décadas. Um recente relatório do Banco Mundial reflete sobre o problema e aponta caminhos para um percurso mais sustentável.

A reforma previdenciária de 2003 aboliu a integralidade e a paridade, porém apenas para os que entraram no serviço público após a reforma, e, crucialmente, não contemplou militares. Isso introduziu uma enorme desigualdade de tratamento no serviço público, com forte subsídio de aposentadoria aos trabalhadores mais antigos. Como consequência, a estabilização do crescimento das despesas previdenciárias passou a ser vislumbrada só em 2035-2040.

A Lei de Responsabilidade Fiscal, em conjunto com outras medidas fiscais e reformas da previdência, tem conseguido frear aumentos das despesas de pessoal e gasto corrente. Mas isso não substitui uma prudência fiscal de longo prazo. Por exemplo, estados do Centro-Oeste e do Norte, por terem sistemas previdenciários ainda jovens, foram menos afetados pela Lei de Responsabilidade Fiscal e se permitiram, então, expansões significativas da massa salarial na década de 2000. Hoje, gastam cerca de 40% das receitas estaduais apenas com salários, substancialmente mais do que gastam estados mais antigos. Isso sinaliza problemas mais à frente, quando salários virão a se transformar em benefícios previdenciários insustentavelmente altos.

Também fica cada vez mais evidente que as reformas políticas destinadas a controlar o crescimento da folha salarial e previdenciária em nível macroeconômico têm se mostrado ineficazes. Isso requer um exame mais atento de questões que contribuem para o crescimento desses gastos. Além disso, a multiplicidade de estatutos de servidores públicos estaduais e municipais (hoje cerca de 2.154 regimes próprios de diferentes entes) torna complexa a fiscalização e a regulamentação. A introdução de políticas de recursos humanos mais sensatas, eficientes e justas faz-se necessária, com maior transparência e responsabilidade na prestação de contas à sociedade.

A maioria dos estados cumpriu grande parte dos requisitos obrigatórios da reforma da previdência federal de 2019. O maior impacto financeiro, no entanto, advém de itens postos como de adoção opcional pelos estados. A ampliação da base de contribuição da aposentadoria dos servidores públicos, por exemplo, item com o maior potencial de redução imediata do déficit previdenciário, tem sido de lenta adoção. Apenas sete estados (Alagoas, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, e São Paulo) reduziram com sucesso, até agora, a isenção de contribuição para um salário mínimo, a exemplo do governo federal. De maneira geral, a adoção dos itens opcionais colocados à disposição dos estados e municípios foi muito baixa, mas sua adoção é absolutamente necessária. Mesmo com todas as medidas opcionais adotadas, a maioria dos estados não conseguirá alcançar a sustentabilidade fiscal.

Uma análise da situação previdenciária do país também indica algumas medidas administrativas que podem contribuir para a melhoria fiscal. A consolidação da gestão e a implementação de auditorias dos registros previdenciários dos três Poderes do governo demonstram resultados positivos em estados que já adotaram essa medida. Há também uma necessidade premente de maior transparência, melhor governança e soluções de tecnologia amigáveis aos formuladores de políticas. A exigência de que todos os empregadores públicos declarem os dados individuais dos seus servidores no eSocial, plataforma federal, oferece um avanço de sistematização da informação em um formato comum, como já é feito pelos empregadores do setor privado.

No futuro pode ser mais fácil encontrar soluções duradouras coordenando as políticas fiscais, de recursos humanos, de governança, de gestão da informação, de gestão de investimentos e de previdência como partes integrantes de um único sistema.

Esta coluna foi escrita em colaboração com as colegas do Banco Mundial Asta Zviniene e Rovane Battaglin Schwengber, autoras do relatório do Banco Mundial "Regime de previdência para servidores públicos estaduais e municipais no Brasil: contexto, história e lições da reforma".

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