Pablo Acosta

Economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA)

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Ferrovias no Brasil: da garantia à liberalização

Novos trilhos poderão trazer ganhos significativos em eficiência logística

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O Brasil teve sua primeira ferrovia inaugurada em 1834, antes mesmo de a República ser estabelecida, por meio de uma concessão do Governo Imperial ao empreendedor Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, para a implantação da Estrada de Ferro Petrópolis. Com o intuito de atrair investidores e fomentar o desenvolvimento da malha ferroviária, o então Imperador Dom Pedro II instituiu a Lei da Garantia de Juros, que estabelecia o pagamento, com recursos públicos, de 5% sobre o capital empregado na construção da ferrovia. A lei trazia, ainda, outros incentivos, como a proibição de qualquer outra ferrovia em um raio de cinco léguas e a isenção de impostos sobre importações de materiais ferroviários. Por outro lado, penalidades seriam aplicadas em caso de descumprimento do cronograma de implantação, levando à caducidade do contrato em caso de recorrência. Apesar de ter impulsionado o desenvolvimento férreo do Brasil no século 19, estes mecanismos se provaram insustentáveis dada a pressão orçamentária criada com o pagamento de juros ao privado. O governo foi então forçado a reduzir os benefícios, o que arrefeceu os investimentos no setor e motivou sua estatização.

Após um extenso período de predominância estatal nas ferrovias, marcado pela baixa competitividade do modal e priorização de investimentos em rodovias, o setor privado voltou a ter protagonismo durante a desestatização nos anos 1990. A transferência à iniciativa privada ocorreu no formato de concessões, segundo a Lei 8.987/95, de forma verticalmente integrada. Neste modelo —adotado por países como Estados Unidos, Canadá e México—, o mesmo incumbente é responsável pela gestão da infraestrutura ferroviária e operação dos trens.

Os contratos assinados durante a onda de concessões da década de 90 possuíam prazo de até 30 anos, prorrogáveis por igual período, incluíam pagamento de outorga e obrigações de investimento, além da reversibilidade dos bens ao Poder Público. Os concessionários deveriam, ainda, atingir metas de produção anual e redução de acidentes e garantir o compartilhamento da infraestrutura sob sua incumbência, de forma a evitar abuso de poder de mercado. Em decorrência, no ano de 2001 foi criada a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), que atua desde então para regular o cumprimento de regras contratuais e mediar conflitos entre os participantes do mercado.

As concessões trouxeram benefícios evidentes ao país. Segundo registros da ANTF (Associação Nacional dos Transportes Ferroviários), foram transportadas sobre trilhos 489 milhões de toneladas em 2020, dos quais 75% correspondem a minério de ferro, e a produtividade das ferrovias, medida em toneladas por quilometro útil (TKU), saltou de 137 bilhões, em 1997, para 365 bilhões em 2020 —um crescimento de 166%. No mesmo período, a frota de locomotivas cresceu 186%, de 1.154 em 2007 para 3.298 em 2020, e o número de acidentes alcançou o menor índice da série histórica, com uma redução de 86,41%.

No cenário internacional, o Brasil ocupa posição de destaque entre os pares latino-americanos, tanto em termos de volume transportado como em eficiência operacional. Um estudo publicado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento aponta que entre as dez ferrovias com maior volume de transporte na América Latina, seis estão no Brasil, com destaque para a Estrada de Ferro Carajás e para Estrada de Ferro Vitória-Minas, que ocupam a primeira e segunda posição do ranking, respectivamente. Em uma perspectiva mais abrangente, o Brasil ainda demonstra defasagem quando comparado a países de extensão territorial similar, como Estados Unidos, Austrália e China. Segundo o Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa a posição 78, entre 141 países, no quesito densidade da malha ferroviária. Dos atuais 30 mil quilômetros de ferrovias, aproximadamente um terço encontra-se em abandono, além de contar com baixa interoperabilidade dos trechos ativos devido à falta de padronização da infraestrutura. Ademais, o modelo verticalmente integrado de concessões resultou em forte concentração do mercado, e cerca de 90% de todo volume transportado está concentrado em apenas quatro grandes players.

Em 2021, foi aprovado um novo marco para o setor ferroviário (Lei 14.273), que trouxe à tona um novo formato de exploração privada de ferrovias, o regime de autorizações. O formato traz influências da reforma setorial que liberalizou as ferrovias norte americanas em 1980 (Stagger Rail Act) e permite que o setor privado implemente e opere ferrovias por sua conta e risco com menor intervenção do Poder Público e da ANTT. O modelo de concessões, contudo, não foi extinto. Em sua forma final, o regime de autorizações abrange ferrovias de qualquer natureza, inclusive propostas que coincidam ou interajam entre si e com projetos do governo. Nos primeiros seis meses, mais de 75 pedidos de autorização já foram entregues ao Ministério da Infraestrutura, totalizando investimentos na ordem de R$ 240 bilhões em 20 mil quilômetros de novas ferrovias.

Não se sabe, ao certo, qual parcela desta cifra se traduzirá em novos trilhos —uma vez que a apresentação de pedidos de autorização dispensa projetos detalhados e garantias de execução— nem tampouco os resultados da liberalização em um mercado dominado por operadores que transportam majoritariamente mercadorias exploradas pelo grupo econômico a que pertencem. De toda forma, a materialização destes projetos, mesmo que parcial, poderá trazer ganhos significativos em eficiência logística, aumentar a participação ferroviária na matriz de transporte e colocar o pais nos trilhos da descarbonização.

Esta coluna foi escrita em colaboração com os colegas do Banco Mundial Edpo Covalciuk Silva, especialista em Transporte e Rodrigo Bomfim de Andrade, Economista

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