Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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Ao aumentar tarifa, João Doria descumpre promessa de campanha

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Crédito: Suamy Beydoun - 31.mai.2017/AGIF/Folhapress Doria usa ônibus no centro de SP, em evento da prefeitura; passagem vai a R$ 4 em janeiro
Doria usa ônibus no centro de SP, em evento da prefeitura; passagem vai a R$ 4 em janeiro de 2018

Durante a campanha eleitoral, João Doria assumiu pelo menos duas vezes o compromisso de congelar as tarifas de ônibus durante os quatro anos do seu mandato. O prefeito, no entanto, não manteve a palavra. Alegando que a promessa de campanha era fruto de uma "entrevista, confusa e improvisada", sua assessoria informou que o compromisso se limitava ao primeiro ano de gestão. A nota conjunta na qual prefeitura e governo do Estado anunciaram a nova tarifa para os ônibus e o metrô é lacônica e diz apenas que o aumento seria necessário para "adequar a receita ao custo dos sistemas".

Atualmente a prefeitura subsidia o sistema de ônibus da capital em cerca de 37% do seu custo total. O objetivo do aumento da tarifa é reduzir esse percentual, que pressiona o orçamento municipal e é alvo de muitas críticas.

Mas se, por um lado, o subsídio pressiona o orçamento público, por outro, ele reduz o preço da tarifa e permite conceder as gratuidades, minorando o elevado impacto que o transporte tem na renda das famílias mais pobres.

Ao contrário do que dizem os críticos, o subsídio paulistano não é elevado e a iniciativa de subsidiar o sistema de transporte público não tem nada de heterodoxa ou demagógica.

Segundo a última edição do Barômetro das Autoridades Europeias de Transporte Metropolitano, o subsídio ao transporte público na Europa está, em quase todas as cidades (Madri, Berlim, Londres, Copenhague, Frankfurt, Barcelona, Oslo), entre 40% e 60% do custo total do sistema. Assim, o nível de subsídio que a prefeitura de São Paulo atualmente proporciona e quer reduzir por meio do aumento da tarifa está abaixo do piso do padrão europeu.

Se os governos locais europeus apoiam com esse nível de subsídio a mobilidade urbana dos seus trabalhadores que estão entre os mais bem pagos do mundo, não faz sentido tratar como populismo ou irresponsabilidade o subsídio paulistano que está num patamar inferior e beneficia uma população muito mais pobre e vulnerável.

No entanto, de fato, o subsídio tem hoje um impacto significativo no orçamento da cidade e, de certa maneira, concorre com outros gastos sociais num perverso jogo de soma zero. Por esse motivo, desde que a questão da tarifa dos transportes públicos ganhou importância política, com os protestos de junho de 2013, especialistas propõem que a introdução de subsídios seja feita a partir de novas fontes de financiamento.

É esse tipo de saída que permitiria ao prefeito João Doria manter sua palavra e cumprir a promessa de campanha sem comprometer o orçamento do município.

Entre as muitas propostas em discussão, uma que parece particularmente promissora é estabelecer um subsídio cruzado ao transporte público a partir da municipalização da Cide, o tributo federal que incide sobre os combustíveis. A ideia do subsídio cruzado é arrecadar recurso em um lugar e aloca-lo em outro —no caso, arrecadar recurso taxando o combustível utilizado pelos automóveis e aplicá-lo no sistema que atende os usuários de transporte público.

A administração anterior encomendou um estudo para a Fundação Getúlio Vargas avaliando a medida e, recentemente, o Ipea também publicou um estudo sobre o tema. Os dois trabalhos mostram, em resumo, que com um pequeno tributo sobre a gasolina seria possível reduzir o preço das tarifas de ônibus e ainda gerar muitos outros efeitos positivos: as famílias que ganham até 12 salários mínimos teriam mais renda e a inflação seria reduzida —poderíamos ainda acrescentar que teríamos um trânsito melhor e haveria redução na emissão de poluentes.

Infelizmente, em vez de perseguir esse tipo de solução inovadora que permitiria cumprir sua promessa de campanha, o prefeito João Doria preferiu se desdizer e alegar que tinha se enganado, prejudicando a população mais pobre para quem 20 centavos a mais por viagem faz muita diferença.

Ao paulistano descontente com a traição do prefeito, resta o direito de protestar. O Movimento Passe Livre convocou uma manifestação para a próxima quinta-feira (11), às 17 horas, em frente ao Teatro Municipal.

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