Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Pablo Ortellado
Descrição de chapéu

Blocos de carnaval querem celebrar violência política

Porão do Dops tinha o objetivo de celebrar o legado da ditadura militar 

O coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015) em audiência da Comissão Nacional da Verdade; ele teve a imagem utilizada em chamada do bloco "Porão do Dops"
O coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015) em audiência da Comissão Nacional da Verdade; ele teve a imagem utilizada em chamada do bloco "Porão do Dops" - Sergio Lima - 10.mai.2013/Folhapress

Um bloco de carnaval de nome Porão do Dops foi convocado para este sábado (10). A chamada foi iniciativa do grupo "Direita São Paulo" e tinha o objetivo de celebrar o legado da ditadura militar.

Noutros tempos, talvez fosse o caso de ignorar um evento como esse que pode inclusive ter sido impulsionado pela controvérsia. Mas, como essas ideias são hoje defendidas por um candidato a presidente com 20% das intenções de voto, não podemos mais nos dar ao luxo de tratá-las como se fossem irrelevantes.

Fruto da inconsequente cultura política da internet, a chamada para o bloco de carnaval trazia uma foto do coronel Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi condenado na Justiça em 2008 por sequestro e tortura.

Os inúmeros relatos que denunciam as práticas de tortura que ocorreram no centro quando esteve sob a responsabilidade de Ustra (1970-1974) não constrangeram os ativistas da nova direita, que escolheram esse herói da barbárie como símbolo de Carnaval do seu antiesquerdismo.

O Ministério Público tentou impedir o uso do termo "Porão do Dops" e imagens de Brilhante Ustra e do delegado Sergio Paranhos Fleury na convocação para o bloco, alegando que se fazia apologia da tortura.

A juíza Daniela Conceição considerou o bloco lamentável, mas entendeu que impedir o termo e as imagens constituiria censura prévia. A decisão dela foi reformada na última quinta-feira (8) pelo desembargador José Gomes, que atendeu o pedido da Promotoria, impedindo a realização do bloco.

O entendimento da juíza é respaldado por uma longa tradição libertária que acredita que a liberdade de expressão não deve ser limitada e que não cabe ao Estado definir de antemão o que podemos e o que não podemos dizer, sob o risco do precedente ser utilizado contra nós.

Um outro grupo, no entanto, considerou que o melhor a fazer seria responder na mesma moeda e convocou também para este sábado (10) um bloco de carnaval chamado "Stálin matou foi pouco". Para se contrapor ao escárnio à memória histórica das torturas, dos sequestros e dos assassinatos da ditadura brasileira, acharam que o remédio seria celebrar os campos de concentração, os trabalhos forçados e os assassinatos políticos de Stálin. Mais de 7.000 pessoas demonstraram interesse ou acharam graça num dos dois eventos.

Como a juíza Daniela Conceição, sou da opinião que essas execráveis celebrações do totalitarismo que querem sambar sobre a memória da violência política devem ser permitidas pela lei. Mas a mesma liberdade que permite que esses perigosos calhordas celebrem a tortura, a perseguição política e o assassinato nos autoriza também a condená-los, sem meias palavras e com vigor.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.