Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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Pablo Ortellado

Doria atropela debate sobre previdência para pavimentar candidatura ao governo de SP

Em meio a greve e protestos, prefeito mobiliza sua base no legislativo para aprovar medida

Querendo mostrar resultados antes de abandonar a prefeitura, Doria está tentando aprovar uma reforma da previdência municipal em tempo recorde e na base do cacetete. Em meio a greve e protestos, o prefeito mobiliza sua base no legislativo para aprovar a medida sem debate e põe a Guarda Civil Metropolitana para reprimir os descontentes.

Na campanha eleitoral de 2016, João Doria prometeu não seguir o caminho de outros ex-prefeitos que abandonaram o mandato no meio do caminho, usando o palácio do Anhangabaú como trampolim para vôos mais altos. A promessa foi feita em diversas ocasiões durante a campanha e o prefeito chegou a assinar uma carta compromisso elaborada pelo site Catraca Livre dizendo que se comprometia a cumprir integralmente o mandato. 

Antes de se candidatar ao governo do estado, Doria tentou se candidatar a presidente, mas perdeu a indicação do partido para Geraldo Alckmin. Com o caminho para o palácio do Planalto interditado, Doria se contentou em aspirar o Bandeirantes.

Detalhe do rosto de João Dória, que coça a testa com uma das mãos
O prefeito de São Paulo, João Dória - Eduardo Anizelli - 19.mar.2018/Folhapress

No entanto, com apenas um ano de mandato, João Doria tem poucas realizações para mostrar. Por esse motivo, resolveu dar prioridade para a reforma da previdência municipal. Sua ambiciosa proposta busca resolver o déficit da previdência municipal ampliando a contribuição dos servidores e da prefeitura e fazendo aportes ao fundo previdenciário.

Com a aprovação da medida, o déficit estaria zerado em cerca de 30 anos e o prefeito teria pelo menos uma grande realização para respaldar a imagem de gestor que gosta de ostentar. Essa imagem está atualmente bastante comprometida, não apenas pelo abandono precoce do cargo, como pelos erros e controvérsias da sua administração, como as ações na cracolândia, as viagens excessivas e o projeto da farinata.

Para funcionar como cartão de visitas para sua candidatura a governador, o projeto precisa ser aprovado antes da sua desincompatibilização do cargo, em meados de abril. A prefeitura, porém, encaminhou a proposta de reforma à Câmara no último dia útil de dezembro, e a tramitação começou apenas em fevereiro, após o recesso parlamentar.

Os méritos e deméritos do projeto são relativamente irrelevantes diante da forma com que está sendo apresentado. Doria está colocando em primeiro lugar seu cronograma pessoal como candidato a governador, sacrificando o tempo necessário a um debate público que seja democrático e qualificado.

Reformar a previdência é um tema delicado e duplamente relevante. Por um lado, diz respeito à sustentabilidade do sistema e à capacidade de investimento do estado. Por outro, altera as expectativas de futuro e o salário de quase 200 mil servidores, entre ativos e inativos. A maior parte deles enfrentará dificuldades no orçamento doméstico se seu salário líquido for reduzido de um mês para o outro com um aumento de contribuição. É legítimo e parte da vida democrática que uma proposta de reforma como essa enfrente protestos.

Um projeto desse tipo precisa passar por um amplo debate no qual a sociedade e as forças políticas escutem servidores, sindicatos e especialistas em matéria previdenciária, de maneira a avaliar a necessidade de ajustes ou mesmo a adoção de soluções alternativas. Isso não se faz com um ou dois meses de tramitação acelerada nem sob ameaça de agressão aos descontentes.

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