Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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Pablo Ortellado

Contra discurso polarizado, maioria apoia Lava Jato e não quer que investigação se limite ao PT

Ao mesmo tempo, 66% acreditam que com Lula condenado os políticos vão tentar acabar com a operação

Pesquisa recente da Ipsos, publicada no último sábado, mostra um significativo descompasso entre a posição das lideranças políticas que exploram a polarização e o que a maioria dos brasileiros pensa a respeito da Lava Jato.

A polarização política não é apenas o alinhamento das opiniões em dois conjuntos de posições antagônicas, mas também o esforço contínuo dos dois campos para trazer os desalinhados para os polos. A pesquisa Ipsos mostra que essa esperança dos polos de converter os demais é respaldada por uma espécie de consenso nacional que abrange, sem contradição, elementos centrais dos dois discursos.

Como se sabe, o discurso antipetista enfatiza que o PT é uma quadrilha que teria tomado de assalto o Estado brasileiro, promovendo um saque ao patrimônio público nos anos em que esteve no poder. Isso teria sido evidenciado, primeiro, no julgamento do mensalão e reforçado, em seguida, pela Lava Jato.

O contradiscurso da esquerda, por sua vez, enfatiza que sob o manto da bandeira anticorrupção esconde-se a ojeriza à ascensão social dos mais pobres. Esse movimento dissimulado teria como missão principal perseguir e impedir a atuação política do principal partido da esquerda brasileira e com isso barrar e reverter os ganhos sociais do período lulista.

Para a maior parte da esquerda, o impeachment da presidente Dilma teria sido uma espécie de golpe parlamentar, no qual, manipulando as regras constitucionais, uma presidente legitimamente eleita teria sido deposta. A condenação e a prisão do ex-presidente Lula seriam a evidência final de que o objetivo último dessas movimentações foi apenas impedir a atuação política do PT e promover uma agenda socialmente regressiva com o governo Temer.

A pesquisa Ipsos mostra, porém, que os brasileiros adotam posições bastante híbridas com respeito às alegações da esquerda e da direita em torno da Lava Jato. 95% dos entrevistados, por exemplo, acreditam que "após a prisão de Lula, as investigações da Lava Jato devem continuar" e 91% creem que "a Lava Jato deveria investigar todos os políticos". No entanto, ao mesmo tempo, 73% acreditam que "os poderosos querem tirar Lula das eleições" e 66% que "agora que Lula foi condenado à prisão, os políticos vão tentar acabar com a Lava Jato".

Em outras palavras, uma maioria expressiva parece simultaneamente acreditar que as investigações da Lava Jato devem continuar e que há uma articulação das forças políticas para que as investigações cessem agora, e o ônus da punição recaia mais sobre o PT do que sobre os demais partidos políticos.

A constatação é reforçada pelos dados do monitoramento das redes sociais. Nos dias que seguiram à prisão de Lula, a Lava Jato fez movimentos claros visando lideranças de outros partidos, como Temer, Alckmin, Serra e Aécio. Enquanto, de maneira geral, as imprensas alternativas de esquerda e de direita ignoraram as investidas da Lava Jato contra PSDB e MDB, as matérias da grande imprensa que noticiaram as ações tiveram índices de compartilhamento bastante elevados.

Lideranças antipetistas não repercutiram as investigações sobre MDB e PSDB porque isso comprometeria seu discurso de que a esquerda é mais corrupta e a fonte do mal que assola o país. A esquerda, por sua vez, ridicularizou as investidas sobre os outros partidos, alegando que tudo não passou de jogo de cena para mascarar a perseguição ao PT.

E enquanto os dois campos promovem uma disputa de narrativas, supostamente antagônicas, a população segue simultaneamente apoiando a operação e exigindo que ela não se limite à esquerda.

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