Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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Pablo Ortellado

Direita autoritária oferece saída antissistêmica para a crise dos combustíveis

Há duas mobilizações em curso ligadas e, em parte, sobrepostas

A greve dos caminhoneiros e as reações de apoio que gerou desafiam a interpretação.

Há duas mobilizações em curso ligadas e, em parte, sobrepostas. De um lado, temos a mobilização dos caminhoneiros e, de outro, temos o amplo movimento popular que os apoia.

Os caminhoneiros, a princípio, apresentaram uma pauta corporativa ligada às dificuldades da categoria: o pedágio sobre os eixos, o preço do diesel e o valor dos fretes. Já o apoio popular transformou a demanda dos caminhoneiros pela redução do valor do diesel e a ressignificou como a redução do valor dos combustíveis em geral; somou ainda a essa demanda a crítica à corrupção e a oposição ao governo Temer.

Essa ressignificação popular afetou a própria leitura dos caminhoneiros –embora suas lideranças tenham se envolvido numa negociação limitada às pautas da categoria, muitos caminhoneiros se viram como portadores das demandas mais gerais de uma parcela ampla da cidadania.

O que diz esse discurso popular sobre a mobilização dos caminhoneiros? Diz que o preço dos combustíveis é uma decisão administrativa do governo Temer, mas também que, direta ou indiretamente, é efeito da corrupção.

O elo que liga preço dos combustíveis e corrupção parece ser a Petrobras, que está no centro das investigações da Lava Jato. O impopular governo Temer é considerado assim simultaneamente corrupto e inepto e por isso à crise dos combustíveis se somou agora o "Fora Temer". Mas se Temer sair, o que colocamos no lugar?

É preciso entender o impasse no qual o Brasil se meteu.

Há uma crença popular arraigada de que a corrupção é o maior problema do país e que a má qualidade do serviço público e agora também o preço dos combustíveis se explicam apenas pela apropriação privada do patrimônio público.

Essa ingênua explicação supõe que, se conseguíssemos estancar a sangria, poderíamos ter serviços públicos de qualidade e combustíveis a preços módicos, talvez até mesmo reduzindo a carga tributária.

O fato, infelizmente, é que embora precisemos muito combater a corrupção, com nosso nível de riqueza e com nossa carga tributária, não conseguimos ainda oferecer serviços públicos universais e gratuitos de boa qualidade para todos.

Mas ainda que não tenha fundamento objetivo, a crença se mantém. E é ela que leva a questão do preço dos combustíveis ao "Fora Temer".

Se o PT, símbolo da corrupção no mensalão e na primeira fase da Lava Jato, já foi apeado do poder, e se Temer e a quadrilha do MDB e seus aliados tucanos protegidos pelo foro especial parecem ainda piores que os petistas, o que podemos colocar no lugar? –perguntam os manifestantes.

Antes de procurar explicações sofisticadas e buscar causas mais profundas para o apoio à sinistra causa da intervenção militar, é preciso escutar o que as pessoas que a pedem estão dizendo. O discurso pode ser equivocado, mas não é irracional e não é incoerente.

Para uma parcela da população, o preço dos combustíveis está ligado à corrupção, e o corrupto e inepto presidente Temer precisa cair, como antes caíram Dilma e o PT.

Apenas a direita autoritária oferece uma saída para o que fazer se Temer cair, sem compactuar com o establishment de direita ou de esquerda. Trata-se de uma saída reacionária, autoritária e assustadora, mas recheada de promessas para aqueles que consideram a nossa democracia intrinsecamente corrompida e incapaz de se corrigir por mecanismos internos.

Enquanto não entendermos o apelo dessa resposta autoritária, seremos incapazes de oferecer uma solução alternativa que seja compatível com os princípios democráticos.

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