Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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Pablo Ortellado

Cinco observações sobre os cinco anos dos protestos de junho de 2013

Descompasso entre o poder de mobilização daqueles protestos e seus resultados foi flagrante

1. Os protestos de junho de 2013 completam agora cinco anos. Retrospectivamente, eles parecem inaugurar a era atual e, neste sentido, constituem a verdadeira gênese do desafio político contemporâneo. Por outro lado, como momento de transição, parecem nos ligar também a um mundo distante, que já não existe mais. São simultaneamente familiares e estranhos.

2. No tocante à forma, o movimento Passe Livre ainda olhava para o movimento antiglobalização e para o zapatismo dos anos 1990, buscando inspirar-se nos valores de horizontalidade, autonomia e anticapitalismo. Entre as preocupações constitutivas dos convocantes dos protestos de junho estava, por um lado, a de garantir o caráter horizontal do processo de mobilização e, por outro, a de que a reivindicação específica, pela redução do preço das passagens, fosse apenas a semente que engendrasse uma contestação de natureza antissistêmica e antimercantil, a tarifa zero. Contudo, uma vez apropriado pela multidão, esse projeto se metamorfoseou. A multidão na rua pareceu conseguir conciliar sem contradição a potência da autorepresentação do protesto de rua com a demanda concreta por política pública, reformista; a crítica da política parlamentar e a demanda por serviços públicos; a crítica do Estado e a defesa do Estado. Nascido do anticapitalismo autonomista, o movimento pariu uma forma nova, que um autor italiano, Paolo Gerbaudo, chamou de "anarcopopulismo".

3. Na manifestação do dia 20 de junho de 2013, os conflitos entre esse novo anarcopopulismo e a velha tradição de esquerda começaram a aparecer. Quando o Partido dos Trabalhadores que controlava o governo municipal quis se somar às celebrações pela derrubada do aumento da tarifa, o movimento teve que decidir entre sua identidade de esquerda e seu compromisso contra a política institucional. A direita foi hábil em explorar o popular sentimento antipartidário e convertê-lo em antiesquerdismo, esboçando aí uma estratégia que exploraria a partir de 2015. Os conflitos que aconteceram na Avenida Paulista neste dia antecipam assim a separação geracional entre os mais velhos que debatem obsessivamente, pró e contra, o legado do PT e os mais novos, formados em junho, para os quais o PT é apenas mais um partido.

4. Quase todas as experiências do ciclo global de protestos de 2011-2013 despertaram forças poderosas que abalaram as instituições, mas quase nunca conseguiram lograr as mudanças aspiradas pelos manifestantes. Foi flagrante o descompasso entre o poder de mobilização daqueles protestos e seus resultados, modestos quando não diretamente adversos. Se pensamos em quase todos os países da primavera árabe, na Turquia, no Brasil e nos Estados Unidos, com o Occupy, em todos eles os desdobramentos dos protestos foram geralmente desfavoráveis. Aqui, a pauta dos protestos que unia defesa dos direitos sociais, transporte, educação e saúde, por um lado e crítica da corrupção, por outro, redundou, depois de algumas mediações, num governo Temer, acusado de corrupção e promotor de um conjunto de reformas que ceifaram os serviços públicos.

5. Os países que escaparam deste destino, a Tunísia e a Espanha, só o fizeram quando institucionalizaram aquelas forças, oferecendo uma espécie de direção que sobrepôs o traço populista ao sentimento antipolítico. Isso não foi feito sem sacrificar as mais auspiciosas esperanças de que o jogo farsesco dos parlamentos poderia um dia ser substituído por uma verdadeira democracia, comunitária e de base.

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