Os grupos de WhatsApp criados durante as duas semanas de paralisação dos caminhoneiros são uma espécie de legado comunicacional da mobilização. Eles permitiram à categoria dos caminhoneiros que é geograficamente dispersa se articular politicamente; permitiram, também, organizar a solidariedade que veio dos grupos de apoio cidadãos. Agora, estão à disposição para novos usos.
Ninguém sabe exatamente quantos grupos foram criados, qual sua natureza (se apenas de caminhoneiros, se de apoiadores ou mistos) e que tipo de pessoa os criou (caminhoneiros, cidadãos anônimos ou ativistas políticos). Seja como for, esses grupos constituem uma espécie de infraestrutura comunicacional com grande potencial político. Não será nada surpreendente se forem utilizados com propósitos eleitorais –se é que já não estão sendo usados.
Os grupos de WhatsApp são uma forma de comunicação um pouco diferente das mídias sociais tradicionais como o Facebook e o Twitter. Em comum, eles têm a forma um-muitos-um, ou seja, o usuário escreve para muitas pessoas (os membros do grupo) e lê o que muitas pessoas diferentes escrevem —mais ou menos como acontece com a timeline do Twitter ou com o feed de notícias do Facebook.
No entanto, eles têm uma característica diferente: os grupos em geral não são públicos, mas privados e seu número é limitado a 256 usuários. Isso faz com que o que passe no grupo, só seja visto por quem participa dele; faz também com que mensagens virais tenham que passar de grupo em grupo, sendo reencaminhadas com algum atraso. Por isso, enquanto uma publicação viral no Facebook se dissemina rapidamente, no prazo de 24 horas, tendo quase esgotado seu poder de difusão depois de 48 horas, no WhatsApp elas demoram mais do que o dobro deste tempo para se difundir.
Outra característica politicamente relevante é que a mobilização feita por meio do WhatsApp é pulverizada, dado o limite de pouco mais de 200 usuários de cada grupo. Isso parece que reforçou uma fragmentação organizativa que já existia entre os caminhoneiros, tanto pela sua dispersão geográfica, como pelas diferenças no tipo e nos regimes de trabalho. Assim, às diferentes associações representativas da categoria, somaram-se também centenas de lideranças locais espalhadas pelos piquetes nas estradas de todo o Brasil.
Mas além de ser usado na organização dos trabalhadores, o WhatsApp também foi utilizado para organizar o apoio a eles –e sobre isso, sabemos ainda menos do que sobre a organização dos caminhoneiros. Centenas, talvez milhares de grupos de apoio foram criados –podemos ver rastros desta profusão de grupos nos convites públicos que foram distribuídos nos grupos já existentes e também no Facebook e no Twitter.
Quem se deu ao trabalho de entrar nestes grupos, logo percebeu que eram dominados por um discurso de direita, sobretudo aquele ligado à causa da intervenção militar.
É bem difícil determinar se a bandeira da intervenção militar foi espontaneamente popular entre os caminhoneiros e os grupos de apoio ou se sua presença marcante foi resultado de uma ação organizada do ativismo intervencionista. A essa pergunta, soma-se outra, correlata: será que a criação da maioria desses grupos de apoio foi iniciativa espontânea de cidadãos, solidários aos caminhoneiros ou foi uma ação oportunista de ativistas políticos para difundir a tese da intervenção?
E se tanto a criação dos grupos, como a difusão da bandeira foi uma ação política orquestrada e bem-sucedida, que podemos esperar, nas eleições, dessa importante infraestrutura comunicacional que foi construída e agora pode estar dominada por agentes políticos?
Precisamos lembrar que o domínio da comunicação nas mídias sociais foi o principal legado do movimento anticorrupção para a nova direita. Foi com as páginas de Facebook que lideraram a campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff que a nova direita criou canais de comunicação com a população que ela passou a explorar e a alimentar tanto com notícias da imprensa alternativa, como com novas campanhas políticas.
É possível que os grupos de WhatsApp espalhados pelo território nacional estejam para a mobilização dos caminhoneiros assim como as enormes páginas do MBL, do Vem Pra Rua e do Revoltados Online estiveram para a mobilização pelo impeachment.
Se isso for verdade, o principal beneficiário político da popular greve dos caminhoneiros será aquele ex-capitão do exército cujo nome não deve ser dito.
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