Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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Pablo Ortellado

Partidários acreditam que opinião conveniente é verdade fatual

Estudo diz que aqueles que se identificam com partidos tendem a considerar em maior medida afirmações que respaldam sua posição

Estudo recém-publicado pelo Centro de Pesquisas Pew, nos Estados Unidos, mostra que os americanos têm grande dificuldade de diferenciar no jornalismo uma afirmação fatual de uma opinião valorativa –e que aqueles que se identificam com os partidos políticos tendem a considerar em maior medida afirmações que respaldam sua posição política como fatos e as que a contrariam como opiniões. O resultado soma-se a outras pesquisas que mostram o viés de confirmação, a tendência de interpretar novas informações de maneira consistente com as crenças prévias.

A pesquisa buscou, em primeiro lugar, investigar se os americanos eram capazes de diferenciar um fato de uma opinião. Ela perguntou se os entrevistados consideravam afirmações extraídas de veículos jornalísticos como sendo fatuais (independentemente de considerá-las corretas ou não) ou opinativas (independentemente de concordar com elas ou não).

A diferença entre fatos e opiniões é que fatos podem ser objetivamente estabelecidos, enquanto opiniões expressam julgamentos de valor. Só metade dos entrevistados foi capaz de reconhecer como fatual três das cinco afirmações fatuais apresentadas, um percentual apenas um pouco acima do que se conseguiria com respostas aleatórias. A situação é um pouco melhor com alguns subgrupos que se mostraram mais capazes de distinguir fato de opinião: os que confiam na mídia, os mais versados nas tecnologias digitais e aqueles com mais consciência política.

O resultado traz grande preocupação e explica porque, nos Estados Unidos (como também aqui no Brasil), muitos leitores criticam jornais, revistas e sites por mentirem ou serem tendenciosos apenas por dar espaço a colunas e artigos de opinião. Como a diferença entre o fato que deve ser apurado numa reportagem e a opinião valorativa que deve ser explorada num artigo não está bem estabelecida, muitos leitores tomam a opinião por viés e distorção dos fatos.

Mas o resultado mais interessante do estudo é a relação verificada entre o partidarismo e a incapacidade de distinguir afirmações fatuais de afirmações opinativas. Os partidários –entrevistados que se identificam com os dois principais partidos políticos– tendem a tomar, em maior medida, afirmações convenientes a suas crenças como fatos e afirmações adversas como opinião.

Assim, por exemplo, a afirmação de que “imigrantes que estão ilegalmente nos Estados Unidos são um grande problema para o país hoje” foi considerada opinião por 81% dos democratas, mas por apenas 49% dos republicanos. Pouco mais de metade dos republicanos –cujo partido tem posições mais duras contra os imigrantes– considerou a opinião acima um fato verificável.

Efeito oposto se vê com a afirmação “gastos com a segurança social, Medicare e Medicaid [programas sociais de saúde] constituem a maior parte do orçamento federal americano”, que foi reconhecida como fatual por 63% dos republicanos, mas por apenas 54% dos democratas.

Aqui, a controvérsia se refere à disputa sobre se o governo gasta demais com programas sociais, o que divide republicanos e democratas –republicanos acham que o governo gasta demais e democratas acreditam que o governo não gasta o bastante.

Independente de qual opinião se tem sobre a conveniência de gastos sociais, determinar se os programas constituem mais ou menos da metade do orçamento é indubitavelmente um fato. No entanto, quase metade dos democratas o consideraram mera opinião, já que o fato contraria seu posicionamento político.

A pesquisa mostra não apenas que tendemos a acreditar mais facilmente naquilo que corrobora ou confirma o que já pensamos –que era o efeito mais esperado do viés de confirmação–, como tendemos a considerar como fatos, opiniões convenientes e a considerar como opiniões, fatos inconvenientes.

A constatação mostra que as barreiras aos compromissos políticos vão ficando maiores à medida que a cidadania fica mais engajada, o que traz um alerta importante em tempos de polarização.

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