Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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Pablo Ortellado
Descrição de chapéu Eleições 2018

Política de aparências

Apesar da polarização, Ciro Gomes pesca votos na esquerda e na direita

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O pré-candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT) durante sabatina promovida pela CNI ( Confederação Nacional da Indústria) em Brasília
O pré-candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT) durante sabatina promovida pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Em segundo ou terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, Ciro Gomes (PDT) é um dos favoritos para vencer as eleições presidenciais em outubro. 

Embora a imprensa insista demais em ressaltar seu temperamento explosivo, sua principal característica é a argúcia, que tem lhe permitido pescar votos simultaneamente na esquerda e na direita, a despeito da polarização. Sua estratégia consiste em esconder suas opções políticas com disfarces retóricos que conseguem agradar aos dois campos.

No seu discurso, por exemplo, ele tem insistido que metade do Orçamento público é destinada ao pagamento de juros, uma famosa falácia difundida pela esquerda, que utiliza a classificação contábil que soma juros e amortizações, tratando como despesa o que é mera rolagem da dívida. 

Uma parte da esquerda usa o artifício para sugerir que não há falta de recursos públicos e que uma rigorosa auditoria da dívida permitiria magicamente liberar esses recursos para finalidades sociais. A resposta de Ciro, porém, é outra. Ele propõe “comprar a dívida” e mudar o seu perfil, emitindo títulos de mais longo prazo. 

Numa manobra retórica perspicaz, ele consegue ao mesmo tempo agradar a esquerda ideológica, que se vê contemplada pelo discurso antijuros, e acalmar o mercado, que vê de imediato que sua solução consiste, basicamente, em pagar e gerenciar a dívida pública.

Ciro tem feito a mesma coisa com seu discurso anticorrupção e com sua política de alianças. À esquerda, tem usado a dura retórica do golpe, acusando aqueles que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff de serem “golpistas” e até mesmo “fascistas”. À direita, tem enfatizado que sua trajetória na administração pública é ilibada e que, se eleito, vai pela primeira vez governar sem o MDB, que chama de “quadrilha”. 

Ao mesmo tempo, segue em avançadas tratativas para conseguir o apoio do “centrão”, também conhecido como “blocão”, um conjunto de partidos fisiológicos e com pouca consistência ideológica que inclui PP, DEM e Solidariedade e que em imoderada linguagem polarizada pode muito bem ser descrito como “golpista” e “corrupto”.

O candidato do PDT percebeu que o eleitor de esquerda se importa mesmo é com a forma ideológica do discurso, que o novo eleitor de direita se preocupa muito com o tema da corrupção, mas é despolitizado e desinformado e, que, para todos os demais, o que importa mesmo é o tempo de TV. 

Mais do que qualquer outro candidato, Ciro entendeu que para operar num ambiente polarizado, cheio de obstáculos, é preciso lembrar a cada instante que a política é, antes de tudo, um jogo de aparências.

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