Como todo episódio político quente, o atentado contra Bolsonaro também gerou interpretações divididas. Na esquerda, difundiram-se aquelas que diziam que o atentado não tinha acontecido ou que não tinha a gravidade anunciada.
Levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV, na manhã do dia 7 de setembro, mostrou que surpreendentes 40,5% das interações no Twitter sobre o atentado encampavam essa tese.
Embora seja mais ou menos esperado algum nível de desinformação nos primeiros momentos de um evento surpreendente como esse, as especulações mais selvagens continuaram difundindo-se até três dias depois do ataque.
Sites da imprensa alternativa de esquerda, perfis de grandes influenciadores e correntes de WhatsApp encadearam uma longa lista de fatos e suspeitas.
Entre elas estavam a visita de Bolsonaro a João Roberto Marinho; o fato de ele estar cercado de seguranças e policiais bem treinados; o fato de a facada ter atravessado um colete à prova de balas; o fato de não ter jorrado sangue após o golpe; as informações desencontradas sobre o seu estado de saúde; o fato de os médicos aparecerem numa foto sem luvas; e, finalmente, o suposto tratamento benevolente que seu vice, general Mourão, teria recebido em entrevista na Globonews.
Embora o ataque tenha sido presenciado e relatado por inúmeros jornalistas, de diferentes veículos, sucessivos laudos médicos tenham mostrado a gravidade dos ferimentos e todas as forças adversárias tenham reconhecido e lamentado o atentado, uma grande quantidade de céticos seguiu acreditando numa conspiração para martirizar Bolsonaro, culpar a esquerda pelo ataque e facilitar a vitória do candidato ainda no primeiro turno.
Foram lembradas a explosão do Riocentro, a omissão do comício das diretas na cobertura da Globo em 1984 e o incêndio do Reichstag.
O episódio merece análise porque ilustra um fenômeno mais amplo: o ceticismo seletivo associado à credulidade inocente, uma forma muito extrema de viés de confirmação. É um fenômeno no qual se duvida de fatos bem estabelecidos, ao mesmo tempo em que se suspende qualquer juízo crítico para aderir a teses muito frágeis.
Vemos, por exemplo, condenações do viés editorial da grande imprensa acompanhadas da aceitação acrítica das notícias falsas mais tolas; vemos críticas aos partidos por serem incapazes de representar a cidadania acompanhadas da adesão a projetos políticos flagrantemente autoritários.
Trata-se de uma seletividade extrema pela qual se adota para aquilo que se condena uma postura hipercrítica e hipercética e para tudo aquilo que se defende uma credulidade ingênua.
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