Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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Pablo Ortellado

O dilema do populismo

Protestos não serão a favor do governo, mas contra poder no Congresso e no STF

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Logo após as bem-sucedidas manifestações contra os cortes no orçamento da educação, grupos bolsonaristas lançaram um chamado para protestos no próximo dia 26. Por um lado, parecem ser só uma reação contra a mobilização da oposição; por outro, parecem querer reafirmar o caráter antissistêmico do governo Bolsonaro.

O maior dilema de qualquer governo populista é que, uma vez empossado, passa a fazer parte do establishment contra o qual se opunha. 

Bolsonaro se elegeu denunciando a articulação das elites políticas no Congresso e nos meios de comunicação de massa que perpetuavam o mesmo grupo corrupto no poder.

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto, em abril deste ano
O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto, em abril deste ano - Adriano Machado/Reuters

A natureza populista do seu projeto exige que, uma vez empossado, pareça não ter sido assimilado pelas elites. Mais ainda: precisa se apresentar como aquele que está comprometido em derrotar uma casta cujo poder está entranhado e é resistente a mudanças.

Por isso, precisa abandonar o antagonismo puramente posicional, no qual o povo se opõe às elites, e incluir nele uma dimensão moral, na qual membros da elite se insurgem contra os pares em defesa do povo. 

Suas limitações e fracassos são apresentados como a incapacidade de derrotar as estruturas profundas e duradouras contra as quais até mesmo o poder do Estado é débil. São as insidiosas articulações do centrão, as sórdidas decisões do Supremo e a velada campanha de oposição dos meios de comunicação.

Para reafirmar sua condição de antiestablishment, apesar de governo, precisa alertar o povo que, por mais integral que seja seu compromisso moral, ele é incapaz, por si mesmo, de derrotar as elites. Por isso, precisa promover atos de mobilização social que reafirmem o seu respaldo no poder soberano do povo. 

A mensagem que compartilhou no WhatsApp reconhecendo sua impotência e o caráter anti-instituições das convocatórias para os protestos do dia 26 parecem indicar esse esforço de se diferenciar e antagonizar com as elites. Mais do que a favor do governo Bolsonaro, o chamado para as manifestações é contrário às elites do Congresso e do Supremo que o impediriam de governar.

Vale notar que a convocação não conta com o apoio de grupos que foram muito ativos no movimento anticorrupção, como o Vem Pra Rua e o MBL. Esses grupos parecem querer manter certa independência do governo e se afastar de um discurso anti-instituições que pode soar antidemocrático, sobretudo num governo que tem laços estreitos com os militares. 

Porém, se as manifestações forem bem-sucedidas, levando muita gente às ruas, elas poderão consagrar a hegemonia total do bolsonarismo sobre o legado do antipetismo.

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