Pablo Ortellado

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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Pablo Ortellado

Debate interditado

Comportamento reflexo anti-Bolsonaro tem bloqueado discussão nuançada sobre segurança das urnas eletrônicas e reabertura das escolas

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Bolsonaro é uma espécie de Midas reverso: tudo em que ele toca estraga. Sempre que o presidente se aproximou de algum debate sobre políticas públicas, a posição que abraçou terminou associada ao charlatanismo populista e à anticiência. Isso interditou debates públicos fundamentais sobre a segurança das urnas eletrônicas e a reabertura das escolas.

Desde a campanha presidencial, Bolsonaro estimula a desconfiança no processo eleitoral. Sem apresentar qualquer tipo de evidência, alegou que as urnas eletrônicas foram fraudadas e que sua vitória teria sido maior do que efetivamente foi. A postura irresponsável de fazer uma acusação grave sem provas e organizar uma campanha de descrédito do sistema eleitoral levou os atores políticos a repudiar a posição do presidente.

Mas essa compreensível repulsa terminou bloqueando um debate que precisa ser feito. Há muitos anos uma parcela da comunidade acadêmica critica a abordagem de segurança adotada pela urna eletrônica: da opção de manter o código fechado à tecnologia de ciframento. Nos testes de segurança que são periodicamente conduzidos pelo TSE, esses acadêmicos têm apontado vulnerabilidades relevantes.

O presidente do TSE, Luis Roberto Barroso, durante coletiva de imprensa para falar sobre o atraso na divulgação do resultado do 1o turno das eleições. - Pedro Ladeira/Folhapress

Há também argumentos muito razoáveis em defesa do voto impresso, que permitiria uma auditoria não digital, como é feito em muitas democracias que adotam urnas eletrônicas. Isso tudo, evidentemente, não quer dizer que as eleições foram fraudadas nem que o sistema não seja confiável —apenas que ele pode ser mais seguro.

Situação semelhante acontece com o debate sobre a reabertura das escolas. A postura do presidente Bolsonaro de minimizar a gravidade da Covid e se opor ao fechamento do comércio levou a justificadas críticas em defesa de uma saúde pública negligenciada.

Mas isso impediu também um debate nuançado sobre a reabertura das escolas que equilibrasse os riscos à saúde com outros riscos trazidos pela adoção integral do ensino à distância. Como muitos especialistas têm mostrado, o ensino à distância apresentou resultados limitados, e a perda de um ano letivo vai gerar deficits de aprendizagem que devem aumentar a evasão escolar, ampliar a desigualdade social e reduzir a produtividade do trabalho. É por esse tipo de motivo que, mesmo no rígido lockdown europeu, as escolas seguem abertas.

Um dos piores efeitos da polarização política é que ela compromete nossa independência de raciocínio e nossa postura crítica, gerando comportamentos reflexos. Não precisamos, de maneira automática e irrefletida, ser sempre contra aquilo que Bolsonaro defende.

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