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Editado por Fábio Zanini, espaço traz notícias e bastidores da política. Com Guilherme Seto e Danielle Brant

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Meias doses de AstraZeneca produzem anticorpos, indicam testes preliminares de pesquisa brasileira

Estudo é feito em parceria entre Universidade do Espírito Santo e Fiocruz, além de apoio do Ministério da Saúde

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Resultados preliminares de uma pesquisa sobre uso de duas meia doses de AstraZeneca mostram que o esquema é capaz de induzir anticorpos em 99,8% dos participantes, equivalente ao modelo com dose padrão.

O estudo é coordenado por pesquisadores do Hospital Universitário da Universidade Federal do Espírito Santo em parceria com a Fiocruz, investimento do governo do Espírito Santo, e também com apoio do Ministério da Saúde.

A VACINAÇÃO NO BRASIL

  1. Como está a vacinação no Brasil

Os testes estão sendo feitos com moradores da cidade de Viana (ES), cerca de 20 mil pessoas, adultos entre 18 e 49 anos. As duas meia doses são aplicadas em um intervalo de 8 semanas. Na sexta (1), os primeiros resultados foram apresentados ao governo federal e à Opas (Organização Pan-Americana da Saúde).

À frente da pesquisa, a médica e professora Valéria Valin destaca o caráter preliminar do estudo, mas comemora o andamento até agora. Do ponto de vista científico, ainda tem um caminho pela frente, ela diz, pois é necessário mais de um teste sendo realizado de imunogenicidade, com mais tempo de observação, e uma avaliação por pares em um escrutínio em revista científica.

Representantes da Opas no Brasil e, no meio, Valéria Valim, médica e professora que está à frente da pesquisa com a AstraZeneca
Representantes da Opas no Brasil e, no meio, Valéria Valim, médica e professora que está à frente da pesquisa com a AstraZeneca - Divulgação

"Saber que em indivíduos que não tinham anticorpo previamente, 99,8% desenvolveram anticorpos que são neutralizantes, ou seja, eles são anticorpos que têm uma correlação com proteção, são uma medida indireta de que a vacina funcionou. É muito significante, muito relevante, por isso que esse dado veio pro Ministério da Saúde, porque ele dá conta que esse sistema vacinal de meia dose poderá ser usado como um sistema no mundo", explica, em entrevista ao Painel.

Ela afirma que o resultado definitivo deve sair em dezembro, após três meses de observação dos vacinados.

A pesquisa começou com a aplicação da primeira dose, em junho, em 19.584 participantes de 18 a 49 anos. Foram selecionados 572 para o monitoramento e coleta de amostras sanguínea para produzir as estatísticas da resposta humoral, que é a produção de anticorpos.

Secretários estaduais ouvidos pela coluna estão animados com o experimento. Se o modelo for aprovado, isso pode significar uma economia significativa a governos, além de um fluxo maior na oferta da vacina.

Outro descoberta preliminar da pesquisa foi a indicação sobre uma reação diferente em quem teve a doença e toma duas doses da AstraZeneca, seja duas meias doses ou as doses padrão.

"É muito interessante porque pode ser que quem tem infecção natural não deva receber duas doses, deva receber uma dose só. A gente tem que falar isso com muito cuidado porque senão a gente vê que as pessoas que tiveram covid vão querer não fazer a segunda dose. A gente está na fase de entender esse fenômeno", explica.

Leia abaixo a íntegra da entrevista ao Painel:

Como teve início a pesquisa?

Esse grupo de pesquisa é um grupo já consolidado, a gente já vem estudando junto desde o surto de febre amarela o efeito de vacinas. Esse grupo do hospital da Universidade Federal do Espírito Santo com a Fiocruz, do Instituto René Rachou no Rio de Janeiro. Essa equipe do René Rachou já trabalhou com dose fracionada contra febre amarela em oportunidades anteriores. Então, fomos à Secretaria de Saúde pedir fomento.

Pedimos apoio e o secretário (estadual de Saúde do Espírito Santo) viu potencial do grupo. Nós topamos investigar e a secretaria de saúde topou financiar. A partir disso apresentamos o projeto para a Organização Panamericana e ao Ministério da Saúde porque nós precisávamos de parcerias. Fomos prontamente atendidos pelo Programa Nacional de Imunização que doou as vacinas. A Opas acompanhou todas as etapas, inclusive, submetendo o projeto ao comitê de ética da organização.

Existe esse interesse, até mundial, porque no decorrer de outubro nós fomos convidados por um grupo de pesquisadores de Economia da Universidade Chicago (EUA), bem conhecido, bem renomado, e eles estavam conectando pesquisadores no mundo que tivessem esse foco de investigação da meia dose.

Essa é uma estratégia não só pra gente alcançar a vacinação da população neste momento, mas também uma estratégia para a revacinação da população mundial daqui a pouco de novo.

O estudo tem três características muito positivas. A primeira é que ele é muito bem estruturado do ponto de vista de desfecho de imunidade celular e humoral, estão sendo feitas uma série de análises para nós compreendermos a resposta da vacina do ponto de vista biológico, que a gente chama de imunogenicidade. É um estudo muito relevante, isso é o segundo ponto. E o terceiro ponto é um estudo de base populacional que permite ver a efetividade. Ou seja, está estudando a vacina em um número grande de pessoas, de base populacional.

Qual é o investimento que está sendo feito?

Essa é uma pesquisa no âmbito do SUS, se fosse ser calculado na ponta do lápis seria um valor maior do que esse, já que estamos falando de uma pesquisa que teve o envolvimento da logística do Sistema Único de Saúde, de trabalhadores, da distribuição, do próprio insumo da vacina que não foi comprado, foi doado, os pesquisadores, os alunos, enfim, a gente tem uma força de trabalho que vem instituições públicas.

O custo foi de R$ 6 milhões e inclui principalmente os insumos para os ensaios de imunidade celular e humoral, tem bolsas de pesquisas para alunos de pós-graduação, bolsas técnicas, para operacionalizar alguns ensaios. Certamente se fosse um ensaio clínico da indústria farmacêutica e todos esses custos fossem calculados na ponta do lápis, esses custos indiretos, o valor seria muito maior. A Secretaria de Saúde investiu R$ 6 milhões, tem uma parte do HUCAM, da EBSERH,, da Fiocruz e do Ministério da Saúde. São parceiros que dão suporte para a pesquisa acontecer.

Por que o estudo atual é com pessoas de 18 a 49 anos?

Porque os grupos especiais já tinham sido vacinados e porque essas populações não poderiam ser submetidas a um estudo para testar meia dose. Então alcançamos a população que não tinha tido acesso a vacina ainda naquele momento e também populações que a gente espera que a resposta à vacina seja uma resposta normal.

Como foi a apresentação ao Ministério da Saúde, na última sexta (1)?

A gente apresentou principalmente para o Ministério da Saúde e para a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde).

É muito importante dizer preliminarmente, nós ficamos pensando se deveríamos dar visibilidade aos resultados, porque do ponto de vista científico é necessário que tenha mais de um teste sendo realizado de imunogenicidade, que tenha mais tempo de observação, pelo menos três meses, para o desfecho da efetividade. E uma avaliação por pares, passar pelo escrutínio de uma revista científica, de um congresso científico para que os pares possam também avaliar e criticar. Mas a velocidade da pandemia é muito grande. E também como é um estudo populacional existe um compromisso ético de informar a sociedade de Viana sobre os desfechos do estudo.

Nós achamos melhor informar, desde que seja dito que neste momento não é ainda o resultado final. Neste momento divulgamos os resultados de dois testes automatizados para imunidade humoral.

Nesse momento, só há quatro semanas de avaliação entre os 14 dias pós segunda dose, porque a vacina não faz efeito imediatamente, precisa de 14 dias, então só foi possível incluir quatro semanas de observação na análise dos resultados de efetividade.

Nesse período a gente avaliou o número de casos em indivíduos de dezoito a quarenta e nove anos, moradores de Viana que receberam duas meias doses ou que receberam duas doses padrão. Nessas quatro semanas não houve diferença entre esses dois esquemas vacinais: duas doses padrão versus duas meias doses, em pessoas de 18 a 49 anos.

Vocês citam 99,8% dos participantes com anticorpos. Em que momento vai saber a eficácia exatamente?

A produção de anticorpos é uma medida indireta de eficácia. A efetividade, ou seja, a taxa de casos novos de covid na população só poderá ser avaliada após pelo menos três meses de observação pós-vacina.

Agora, saber que em indivíduos que não tinham anticorpo previamente, 99,8% desenvolveram anticorpos que são neutralizantes, ou seja, aqueles anticorpos que têm uma correlação com proteção, são uma medida indireta de que a vacina funcionou. É muito significante, muito relevante, por isso que esse dado veio pro Ministério da Saúde, porque ele dá conta que esse sistema vacinal de meia dose poderá ser usado como um sistema no mundo. A gente concluindo a etapa de efetividade em dezembro é muito provável que vamos alcançar a resposta igual ou 60% o que foi encontrado com dose padrão, muito provavelmente vai ser adotado por outros outros governos. Inclusive, esse é o maior interesse da Opas, levar para Organização Mundial de Saúde evidência científica pra subsidiar esse tipo de sistema vacinal.

Em outros países, ninguém ainda terminou um estudo como esse?

Não. São estudos muito pequenos. São menos de quinhentos participantes. Então a gente vai ter um estudo com 20 mil pessoas. Certamente vai ser uma evidência muito importante para a literatura mundial. Outro dado que chamou muita atenção do nosso grupo de pesquisa e a gente vai se debruçar para entender melhor o mecanismo biológico. A gente olhou pra quem não tinha tido contato com Covid e quem tinha tido contato. Tanto pela história clínica como pela dosagem de anticorpos.

Foi muito interessante observar que naqueles que tiveram contato com a infecção natural, seja diagnóstico clínico ou doença silenciosa, porque a gente conseguiu verificar isso antes de vacinar. Elas responderam muito bem a uma meia dose ou a uma dose padrão, mas quando fez a segunda meia dose ou a segunda dose padrão, o título caiu a praticamente à metade. Mostrando que talvez quando tem um estímulo muito alto no sistema imunológico duas doses pra quem teve infecção natural pode ser demais.

Porque quando tem um uma célula que está produzindo muito anticorpo e a gente dá mais antígeno, ela entra em morte. Chamamos esse fenômeno de exaustão celular. É interessante, muito interessante porque pode ser que quem tem infecção natural não deva receber duas doses, deva receber uma dose só. A gente tem que falar isso com muito cuidado porque senão a gente vê que as pessoas que tiveram Covid-19 vão querer não fazer a segunda dose. A gente está na fase de entender esse fenômeno.

Ele aconteceu com meia dose e ele aconteceu com dose padrão no coorte de trabalhadores. Então é um fenômeno biológico consistente.

Qual a perspectiva de tempo até que o estudo possa ser aprovado e o modelo possa ser utilizado?

O próprio Ministério da Saúde e a Opas desencadearam uma agenda para que esses dados sejam apresentados para a câmara técnica do PNI, para a OMS, em alguns eventos técnicos. Em novembro, a gente fechando, no máximo até dezembro a gente vai ter a análise final. Com essas informações, tudo isso se confirmando, provavelmente esse esquema deverá ser adotado, mas aí eu já não posso dizer porque é competência de autoridades sanitárias e dos governos.

Qual impacto a pesquisa pode ter no custo para os governos e também na capacidade de produção?

A própria Socorro Gross [representante da Opas no Brasil] disse: é a capacidade de produzir, a necessidade do avanço porque não adianta, se a gente não vacinar o mundo todo, o vírus vai continuar se replicando e gerando cepas novas. Não adianta a gente cuidar somente do nosso pedacinho, da nossa cidade, do nosso estado, do nosso país. Existe a necessidade do avanço da vacinação no mundo, porque o mundo está globalizado. Aí ela disse também, há uma preocupação em relação à verba, recurso pra gente ficar mantendo vacinação todo ano para todo mundo e a gente tem que sair da situação de pandemia.

Existiram queixas dos efeitos da AstraZeneca logo após a vacinação. A meio dose pode ter impacto nisso?

Pode, pode sim. Houve preocupação da própria AstraZeneca com o nosso estudo temerosos de que talvez não tivéssemos um desfecho favorável e pudesse ter uma uma imagem negativa junto à sociedade. Mas, sem dúvida, eu acho que um evento adverso raro pode acontecer e isso que aconteceu em relação aos casos de trombose é muitíssimo raro.

Não tem uma relação causal bem estabelecida ainda, mas por uma questão de segurança em relação às gestantes decidiu-se não fazer. Em relação à segurança, a frequência de eventos adversos leves foi alta, como já era esperado mesmo, taxa de 84% tanto com dose padrão como com meia dose. Mas o tempo de duração e intensidade desses sintomas foi menor com meia dose.

Por que a pesquisa foi feita com a AstraZeneca? Pode ser feito com outras?

Nesse encontro mundial de pesquisadores, várias vacinas estão sendo testadas, não é só a AstraZeneca. A Pfizer está sendo testada. Vacinas de vetor viral e RNA são plataformas que induzem uma resposta robusta permitindo avaliar dose fracionada.

Logo no começo, falavam na utilização de uma dose só da AstraZeneca. Por que duas meias doses pode ser melhor que uma dose só?

Porque quando você dá uma dose você pode estar desperdiçando, pode ser que a dose ideal esteja um pouco abaixo daquilo. Além disso, quando você dá duas doses, o sistema imunológico tem memória e, quando você oferece aquele estímulo pela segunda vez, aí é que o incremento é grande. Se você der uma dose só, seja ela uma meia dose ou uma dose padrão, você vai ter um título de anticorpo muito mais baixo. É necessário um segundo estímulo conhecido como booster para ter efeito de maior incremento. Sejam duas doses padrão, duas meia doses, seja uma infecção natural e uma meia dose, uma infecção e uma dose padrão. Então, dois estímulos são essenciais para as células de memória.

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