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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Descrição de chapéu Coronavírus

Tem de parar com a brincadeira de que o governo está ajudando as aéreas, diz presidente da Azul

Para John Rodgerson, expansão internacional fica mais humilde e Zoom não elimina viagem a trabalho

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São Paulo

O acordo de compartilhamento de voos anunciado neste mês pelas concorrentes Latam e Azul, que chegou a ser comparado por analistas do setor a um clinch, movimento em que um boxeador abraça o adversário enquanto ganha fôlego, é só uma estratégia para salvar a indústria, e não encerra a rivalidade da dupla.

A avaliação é de John Rodgerson, presidente da Azul, que há um ano acusava a Latam de ter se unido à Gol para matar a Avianca. Na época, elas disputavam espaço em Congonhas. Agora, atingidas juntas pela pandemia, lutam para sobreviver.

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John Rodgerson, presidente da Azul Linhas Aéreas - Bruno Santos/Folhapress

"Foi uma grande briga nossa com a Latam. Mas foi em um aeroporto só. Isso não quer dizer que você não pode fazer outros negócios em outros lugares. Vamos pensar em resgatar a nossa indústria. A gente não concorre enquanto todas as aeronaves estão no chão. A gente sabe concorrer quando elas estão voando", diz Rodgerson, que descarta a chance de o code share evoluir para uma fusão no futuro.

Segundo o executivo, no curto prazo, a vocação da Azul como companhia doméstica ganha foco novamente e o recente movimento de internacionalização dos voos da empresa será "mais humilde".

Rodgerson rejeita as previsões de que a proliferação das reuniões virtuais vai reduzir as viagens corporativas no pós-pandemia. "Você acha que o cara em Cuiabá vai fazer alguma coisa no Zoom? O cara do agro vai passar a fechar negócio no Zoom?", afirma.

O setor aguarda a finalização do acordo de socorro com o BNDES, um mês após a divulgação do vídeo da reunião ministerial em que Paulo Guedes (Economia) falou que não daria "molezinha"para as aéreas.

Rodgerson diz que está "bravo" com a ideia de que o governo está dando recursos ao setor, algo que ele considera uma "brincadeira".

"Eles estão dando dinheiro com um grande retorno, com juros, e estão salvando imposto para o futuro", diz.

O setor prevê que o retorno será mais rápido nos voos domésticos, mas como vocês ficam nos internacionais?

Eu tenho um voo semanal para Orlando, Fort Lauderdale, e para Lisboa. Mais da metade dos nossos viajantes internacionais têm greencard, têm parentes nos EUA. Eles podem entrar. Portugal é a mesma situação, eles têm casa lá ou parentes ou passaporte português. Mas tem que lembrar que a Azul tinha quase mil voos por dia. E no internacional, 15 voos por dia. Nós somos uma empresa do doméstico. Vamos continuar voando internacional, mas vai ser mais humilde. Vamos focar o doméstico.

Eu estava falando há pouco com um colega que trabalha em empresa aérea nos EUA e ele diz que o internacional morreu, mas nos domésticos, as pessoas estão viajando. É tempo para as pessoas conhecerem melhor o Brasil, Nordeste, Amazonas.

Na crise de 2009 houve uma queda muito forte nas viagens corporativas, mas depois elas voltaram. Agora em 2020, é diferente porque as tecnologias para encontros virtuais estão muito mais desenvolvidas. O setor aéreo vai sair encolhido disso?

Tem um impacto sim. Mas eu sempre brinco com a avenida Faria Lima. Se você mora no Leblon e fazia a ponte aérea toda semana para se encontrar com bancos e investidores, isso você pode fazer pelo Zoom. Mas você acha que o cara em Cuiabá vai fazer alguma coisa no Zoom? O cara do agro vai passar a fechar negócio através do Zoom? É parte do negócio viajar.

EUA e Europa são países desenvolvidos na aviação. O Brasil ainda viaja pouco. Algumas das cidades que têm 10 ou 15 voos por dia não vão ter necessidade, mas as pequenas têm que se conectar.

E você já assistiu muitas vezes reunião de Zoom. Não é a mesma coisa. Eu acho que vai ter impacto sim, mas não é a mesma coisa. A volta do PIB brasileiro depende da conectividade. E-commerce, Mercado Livre, B2W, Magalu dependem de conectividade. Tem empreendedores que precisam mandar encomendas para o país inteiro.

E esse acordo de code share que vocês fizeram com a Latam? Vem fusão pela frente?

Nós estamos tentando criar mais demanda. Essa conectividade com a Latam vai fazer com que eu possa voar mais e eles também. Pense em quantas cidades no interior do Rio Grande do Sul eu posso conectar com a minha malha, com as aeronaves que eu tenho. E eles têm muitos voos por dia entre Congonhas e Porto Alegre. Então, conectando mais gente vai encher mais aeronave. É a melhor maneira para ter a retomada.

É melhor ter uma aeronave no ar do que duas no chão. E a melhor maneira de ter aeronaves no ar é mais conectividade. Isso não quer dizer que vai ter uma fusão. É um acordo comercial.

Eu diria agora que nós, Azul, Gol e Latam, não estamos concorrendo neste momento. A gente vai concorrer quando eu tiver a volta dos mil voos por dia. Nós estamos em outro estágio agora. Estamos em sobrevivência agora. E qual é a melhor maneira para sobreviver? Vamos conectar as malhas. É o que estamos fazendo.

Vocês e Latam ficaram se batendo na concorrência e agora estão se abraçando, como no clinch do boxe? Essa foi uma analogia feita por analistas do setor na ocasião do anúncio do code share. Quando se abraça o adversário é porque as coisas não estão bem? Como vê futuro da Latam?

Eu não acho que a Latam vai deixar de existir. De novo, quando o mercado está bombando, a gente luta por espaço. A gente brigou no ano passado por espaço em Congonhas. Foi uma grande briga nossa com a Latam. Mas isso foi em um aeroporto só, sobre uma rota só. Isso não quer dizer que você não pode fazer outros negócios em outros lugares.

O mundo mudou. Virou de cima para baixo. O mundo é completamente diferente hoje. Vamos pensar em resgatar a nossa indústria. Antes de tentar concorrer com Gol e Latam, temos que resgatar a indústria e voltar a voar. A gente não concorre enquanto todas as nossas aeronaves estão no chão. A gente sabe concorrer quando elas estão voando.

E o socorro do BNDES ao setor?

Pense na cadeia inteira. Quantos empregos e impostos são impactados? Como é trabalhar na Embraer agora? Pense no ministro Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, como ele vai vender aeroporto que não tem voo? Como vão fazer reequilíbrio dos grandes aeroportos, se ninguém estiver voando? Pense em Viracopos, Confins. Em vez de ter que renegociar com todo mundo, vamos voltar a voar. É bom para todos. Pense no dinheiro que vai fluir para todos os fornecedores fabricantes de aeronaves, impostos que vão entrar nos cofres do Brasil. A gente salva vidas, conecta hospitais.

A imprensa, às vezes, bate forte nas empresas aéreas, fala de tarifa alta, bagagem, mas como seria o Brasil sem aviação? Como ficariam os hotéis, pousadas, taxistas? Aviação é crucial para qualquer economia. É por isso que os outros países no mundo deram muito mais dinheiro para as empresas aéreas. Estados Unidos, US$ 50 bilhões. A Lufthansa teve 9 bilhões de euros, uma empresa só. Em Portugal foi 1,2 bilhão de euros para uma empresa só, um país pequeno. Por que eles fizeram isso? Porque sabem que a aviação é essencial para o país deles, em empregos gerados e impostos pagos. Eles sabem que isso não é dar dinheiro para uma empresa. É um retorno brutal.

Quando você fala de BNDES aqui, ninguém está pedindo dinheiro de graça. Eles estão dando dinheiro com um grande retorno, com juros, e estão salvando imposto para o futuro. Eu fico bravo demais quando eu vejo dizerem que o BNDES está dando dinheiro para as aéreas. Não. Estão emprestando com juros altos e como um investimento com grande retorno no futuro para o Brasil. Tem de parar com essa brincadeira de que o governo está ajudando.

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