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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Violência contra a mulher também é um problema econômico, diz presidente da Avon

Para Daniel Silveira, interesse das empresas em apoiar o combate ao problema está crescendo

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São Paulo

Depois que a quarentena jogou luz sobre a violência contra a mulher, o presidente da Avon Brasil, Daniel Silveira, viu crescer o interesse das empresas em apoiar o combate ao problema. Segundo o executivo, está ficando mais claro que se trata não só de uma questão humanitária, mas também econômica.

A coalizão contra a violência de gênero lançada há um ano pela Avon com o Instituto Avon, a Fundação Dom Cabral e a ONU Mulheres, que começou com 20 empresas, alcança quase 120 hoje.

Daniel Silveira, presidente da Avon Brasil
Daniel Silveira, presidente da Avon Brasil - Divulgação

*

A quarentena piorou a violência doméstica. Como vocês estão olhando para isso? É assustador. Temos conversado bastante com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Logo no começo, com 15 dias de quarentena, nós já vimos um crescimento dos casos de feminicídio, das chamadas e do descumprimento das medidas protetivas.

Por sermos um grupo global, nós já vínhamos monitorando esse aumento da violência doméstica na Ásia e na Europa, que entraram primeiro na pandemia. O agressor preso em casa junto com a vítima potencializou a violência. De maneira alarmada, para agir rápido, criamos uma série de ações para tratar esse período, como o programa Você Não Está Sozinha, com a participação de mais de 20 empresa signatárias da coalizão.

Quando a mulher está com o agressor em casa, muitas vezes ela nem pode ligar porque está sendo observada. Então fizemos um assistente virtual, a Ângela, para esse contato ser feito via WhatsApp. Temos uma triagem para identificar o nível do risco e acionar a rede de assistência.

Às vezes, ela precisa sair de casa e não tem para onde ir. Então, nós conseguimos parcerias com a Accor para ter leitos onde elas podem ficar, especialmente aquelas que estavam correndo risco de vida e precisavam sair de casa com os filhos. Também fizemos parceria com a Uber para dar as corridas e tirá-las do cenário de violência.

Qual é o balanço desse resgate? Foram 4.400 mulheres atendidas pelo chatbot via WhatsApp, 1.780 receberam cestas básicas e 575 foram atendidas por casas de passagem.

Como o problema atinge as diferentes classes sociais? A violência de gênero não escolhe classe. Ela é mais frequente nas áreas com maior desnível social, mas isso não exime as outras, como se vê em casos como o da Luiza Brunet, de pessoas notórias. Mas tem um outro ponto importante.

Quando falamos desse assunto, a primeira coisa que as pessoas pensam, especialmente os homens, é que estamos falando de agressão física. A violência que mais cresce é a psicológica. Muitas vezes, a mulher nem sabe que está sofrendo a violência. Mas a psicológica é tão nociva porque vai minando a coragem da mulher de reagir à violência adicional.

Isso precisa ser desmistificado. E as revendedoras são uma rede poderosa de conexão. Elas acionam o Instituto Avon, não só quando são vítimas, mas quando observam que algo está acontecendo nas suas comunidades. Elas sabem os canais que podem acessar para ter o suporte.

Além de vender produtos de beleza, muitas vezes, elas são conselheiras, e as clientes falam para elas coisas que não contam para ninguém na família. Elas têm esse impacto social de buscar auxílio.

Esse interesse das empresas pelo tema está crescendo? Falta muito para avançar nessa causa. Mas estou otimista de ver um avanço das empresas em ampliar essa atuação. Dentro das organizações isso também acontece. Além de um problema humanitário, é também econômico. Parte das ausências de mulheres no trabalho acontece por temas relacionados a violência doméstica. As empresas estão percebendo isso.

Além de Accor e Uber, o Grupo Pão de Açúcar também usou a nossa inteligência artificial dentro dos seus aplicativos para atingir seus clientes e ampliar o acesso.

E por que agora? É uma conjunção de fatores. Há um ganho de consciência cada vez maior do quanto isso impacta a empresa como um todo, unido ao fato de que esse problema foi agravado e ganhou luz na pandemia. As empresas não estavam, de fato, se dedicando tanto a esse tema.

Há um ano, quando pensamos na ideia da coalizão, eram poucas as empresas que começavam a se organizar, cerca de 20 a 30 empresas. Agora são 120 signatárias. Tem a discussão sobre igualdade de gênero, sobre as restrições que a mulher sofre para ter as mesmas oportunidades do homem, mas eu vejo que neste momento o assunto ficou mais evidente.

E isso acontece no contexto em que o Brasil tem um presidente que diz a frase do “não merece ser estuprada” e um ministro da Economia que chama de feia a mulher do presidente da França. Como esses ingredientes se misturam aqui? Misturam e dão evidência do tamanho do problema. Tem mais um caso emblemático da congressista americana Alexandria Ocasio-Cortez, que foi insultada por um congressista, e ele pede desculpas dizendo que é um bom pai de família, como se ser pai de família definisse o seu caráter.

Essas evidências que estão acontecendo tornam esse tema ainda mais importante de ser abordado. Às vezes, pelo contraste a gente consegue mostrar a relevância. Infelizmente, embora David McConnell, que fundou a Avon em 1886, já tivesse sacado a importância do empoderamento feminino, em 2020, ainda estamos discutindo esse tipo de posicionamento.
É lamentável.

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