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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Empresas precisam se preparar para receber a diversidade, diz fundador de instituto para novos líderes

Wellington Vitorino criou Instituto Four, atualmente mantido pela Fundação Lemann

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São Paulo

Wellington Vitorino, fundador do Instituto Four, entidade que apoia a formação de jovens com perfil de liderança, assistiu o movimento das companhias em busca de maior diversidade neste ano como um desdobramento da morte de George Floyd, mas ressalva que já viu tendências semelhantes em outros momentos históricos, como a eleição de Obama nos Estados Unidos.

Ele próprio, jovem de 25 anos, negro e ex-bolsista, alerta que empresas precisam preparar o ambiente interno antes de receber a diversidade.

Wellington Vitorino
Wellington Vitorino - Divulgação

*

O debate sobre a diversidade nas empresas ganhou força neste ano. Era esperado? Essa questão estava muito atrasada no Brasil. Veio com força em função dos acontecimentos deste ano, sendo a morte de George Floyd um marco que, sem dúvida, abriu os olhos das pessoas sobre a sociedade que estamos construindo e paradigmas carregados por gerações.

Existem abismos sociais e raciais nas empresas. Subindo no organograma se vê menos diversidade racial e social. Essa configuração é instaurada desde a escola, onde as pessoas não convivem com realidades diferentes. Isso se reproduz na faculdade e no trabalho, principalmente onde as rendas são altas.

Hoje as pessoas estão mais a vontade para defender as cotas? Pessoas bem letradas, mas que são ignorantes em alguns temas, reproduzem algo que falaram para elas no passado, e elas nunca buscaram entender o processo. As cotas entram nesse caminho.

As pessoas ao longo do tempo foram tendo mais informação. Depois, saíram pesquisas comprovando que caiu por terra o argumento de que quem entra na faculdade por cota não termina e diminui a média. Os cotistas tendem a ter média superior, porque são uma amostra dos melhores entre os das escolas públicas.

No fim do dia, tira espaço do cara que é medíocre, aquele que é na média, e que antes, sem a cota, conseguiria entrar. Mas os melhores das escolas privadas continuam entrando.

Como você vê as iniciativas para inclusão de profissionais negros nas empresas? Tem um ponto, que é o quanto é internamente trabalhado para que essas pessoas sejam incluídas. Eu trabalho com diversidade, selecionando gente. Temos o Pró Líder, com quase 9.500 inscritos, 50 selecionados, talentos que não perdem para nenhum trainee nas empresas. O problema é às vezes achar que é só criar um programa.

Conheço uma pessoa que bateu na porta da avenida Faria Lima [que concentra grandes empresas e o setor financeiro em São Paulo] inteira apresentando alternativas a isso. Ninguém respondia. Agora, não tem nem agenda para reunião.

Essa procura é por causa do George Floyd? Tem o efeito pré e pós George Floyd. E teve inúmeras coisas puxando. Conheço gente que lá atrás, quando o Obama se tornou presidente, falava que esse movimento ia virar. E não aconteceu.

Você acha que esse movimento agora está consolidado? Não está. O que vai fazer consolidar são as novas gerações nas empresas, que têm o espírito de questionar por que não estamos dando acesso a outras pessoas. É a moça que entra como trainee em uma empresa gigantesca, mas não vê uma vice-presidente mulher. O que ela faz? Vai para outra companhia. Mas a empresa gastou com salário, viagens, e agora a pessoa vai embora? O investimento não se paga.

Conforme essa nova geração crescer, o nível de consciência da liderança será ajustado. Hoje, boa parte das lideranças nas empresas vem de outras gerações. Para eles é tudo novo. Tem gente que está aberta e entende que estamos atrasados, com preconceitos que não fazem sentido. E tem outras em que é mais difícil desconstruir os viéses inconscientes.

Qual é o meu grande receio? No início dos anos 2000, teve um boom do que chamamos de responsabilidade social. Como estão essas áreas agora nas empresas? Por que muitas são pouco desenvolvidas? Estamos falando de 20 anos.

Quando falamos de responsabilidade social, não necessariamente afeta cada um ali dentro. A ideia é sempre de dentro para fora, de que as empresas têm que ajudar a comunidade. Mas quando se fala de diversidade, também são pessoas que trabalham dentro das empresas.

E sobre importância da inclusão nas empresas? Imagine chegar em uma empresa e a inclusão não foi bem feita. E as pessoas falarem: ‘aquele é o grupo de trainees dos negros que entraram’. É super importante fazer uma integração eficiente. Senão, vamos ver que negros só falam com negros, e quem estava na empresa antes vai falar entre si.

Tudo depende do nível de consciência das lideranças e do esforço. Vai desde a maneira de organizar uma festa. Tem que pensar que o cara pode não ter nem roupa para ir na festa. É como na faculdade.
Eu fui bolsista e a grande dificuldade do bolsista não é nota. Às vezes, R$ 250 que alguém paga num jantar, para ele é dinheiro do metrô no mês. É ter apoio financeiro.

Às vezes, tínhamos que fazer vaquinha para um cara não faltar porque ele não tinha grana para almoçar quando a aula era o dia todo. E tem a questão psicológica. É ouvir no elevador a conversa sobre a bolsa da Chanel, o feriado em Paris. Aí tem a festa da turma na cobertura no Leblon. Mas e o sicrano que mora longe? Se é que convidam ele.

O mercado de trabalho é um espelho do que acontece no ambiente educacional.


Wellington Vitorino, 25
Graduado em administração de empresas pelo Ibmec do RJ. Aos 21 anos, fundou o programa ProLíder, que deu início ao Instituto Four, entidade sem fins lucrativos atualmente mantida pela Fundação Lemann

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