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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Presidente de banco diz que caso GameStop traz reflexão sobre formação de preços no mercado

Para Gabriel Galípolo, regulação sobre investidor pessoa física terá de avançar

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São Paulo

O fenômeno da valorização da GameStop, que surpreendeu Wall Street na semana passada após uma ação orquestrada de pequenos investidores, traz grandes reflexões sobre os preços dos ativos no mercado financeiro, segundo Gabriel Galípolo, professor da PUC-SP e presidente do Banco Fator.

“É quase um ramo amador de uma análise de psicologia de massas. Às vezes, tem de estar menos atento ao que realmente são os números da empresa, e nesse caso foi clássico”, diz.

Gabriel Galípolo, que presidiu o Banco Fator de 2017 a 2021 - Reinaldo Canato/Folhapress

Alguns interpretaram o caso GameStop com uma visão romântica dos pequenos investidores contra os grandes. Tem um caráter de pessoas que se juntaram para provocar a valorização ou a defesa do preço de um ativo. Acho que isso é verdade. Existe um sentimento de desintermediação que está em várias esferas das nossas vidas.

Antigamente, para ser um portador de uma notícia ou de uma opinião, você precisava ser uma pessoa especializada ou trabalhar em um grande canal de comunicação. E as redes sociais permitiram dar voz a muitas pessoas, o que tem lado bom e ruim. Isso está chegando no mercado financeiro.

Antigamente, esses processos de mobilização de recursos para um lado ou outro eram feitos por grandes gestores, por quem tem poder de controle sobre grandes volumes. E talvez as redes sociais estejam conferindo esse poder, ainda que você não seja uma grande instituição financeira.

Mas também é preciso estar atento se foram só pequenos investidores que estavam lá. Acho que é um movimento de massa mesmo, mas me parece que também há investidores que não são tão pequenos e entraram na onda e se beneficiaram da valorização.

Que reflexão esse fenômeno traz sobre os preços? Por ter sido feito de uma forma pública, porque envolveu uma rede social, eu acho que desperta na maioria das pessoas essa percepção de que os preços dos ativos na economia são formados muito mais por processos de convicção, crenças, convenções formadas.

Gera um certo desconforto porque a economia gosta de se colocar na posição de ciência exata, de que preços são resultado de metodologias complexas e números calculados, como resultante de uma conta. Mas o mercado é diferente.

Na matemática, se você fizer as contas, vai chegar no número, mas, para o mercado existir, obrigatoriamente, precisa haver duas pessoas com visões distintas da mesma coisa. Ou seja, para um mesmo conjunto de informações disponível, alguém precisar achar que o preço daquele ativo vai subir e outro precisa achar que vai cair. Só assim tem compra e venda.

O mercado só existe porque há visões dissonantes, ou opostas, sobre o mesmo ativo. Não é o resultado de uma dedução lógica com uma única resposta. Só que isso chega ao ponto do movimento do ser humano em sociedade: se as pessoas acreditam que algo existe e se comportam como tal, aquilo existe, passa a ter uma influência e acontecer como se existisse.

É quase um ramo amador de uma análise de psicologia de massas. Às vezes, tem de estar menos atento ao que realmente são os números da empresa, e nesse caso foi clássico, e mais atento ao que as pessoas estão olhando e deduzindo sobre aquela empresa.

É curioso, porque às vezes você pode ter uma grande sacada, que ninguém viu, mas no mercado financeiro não é um grande negócio, porque se você estiver sozinho naquela visão, provavelmente, vai ficar em situação fragilizada.

A regulação falhou? Os fundos fizeram o que chamamos de shortear. É permitido. O que é discutível é o novo. A maior parte da regulação se dá muito mais para tentar evitar que grandes instituições façam esses movimentos de valorização para se beneficiar.

A regulação sobre o investidor pessoa física terá de avançar. Você não está olhando mais só para o investidor que é uma instituição financeira, um gestor. Agora são vários investidores que se uniram para fazer isso através da tecnologia.

Eu entendo que a regulação no Brasil é mais rígida e mais avançada que a dos EUA. Mas é uma situação sui generis. Se um grupo de Telegram com 12 mil pessoas se junta para formar preço, como você vai fazer? Abrir processo contra todos? Vai ter que pensar como a regulação vai avançar sobre isso, mas é um tema que está acontecendo em vários ramos da vida.

O interessante de isso estar acontecendo no mercado financeiro é essa exposição de que os preços, muitas vezes, são formados de maneira absolutamente descolada do que são chamados fundamentos econômicos. Eles são formados por convenções sociais, por convicções que são abraçadas.

Os fundos se submeteram a um nível de risco exagerado? É sempre uma aposta sobre o futuro. Os fundos fizeram a conta, olharam para a GameStop, viram que era uma empresa que está sofrendo financeiramente, que a chance de ela subir era baixa. Ou seja, ele tinha uma chance alta de acertar ou de perder pouco. Mas, por um movimento das pessoas, a empresa teve uma valorização inacreditável.

Tem alguma analogia com o subprime crise de 2008? Não. É diferente. Ali se estava concedendo crédito para as pessoas que não tinham condição de pagar e depois se empacotavam esses créditos em produtos financeiros que tinham demanda.

O que pode ter em comum é a lógica das convicções: de que se as pessoas que têm controle sobre os recursos financeiros convencionarem que aquilo vai bem, vai continuar encontrando demanda e subindo. Mas lá tinha um caráter institucional, com grandes bancos e agências de rating sancionando.

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