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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Descrição de chapéu petrobras

Bolsonaro perdeu o apoio do mercado financeiro que ajudou a elegê-lo, diz empresário

Para Felipe Miranda, da Empiricus, a chance de o presidente não se reeleger subiu após ação na Petrobras

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São Paulo

A interferência de Jair Bolsonaro no comando da Petrobras, que já balançou o mercado nesta segunda-feira (22), pode desencadear efeitos econômicos capazes de impedir a reeleição do presidente, segundo Felipe Miranda, sócio-fundador da Empiricus.

"No momento em que ele faz o que fez, ele perdeu o apoio de parte do empresariado e do mercado financeiro", diz Miranda. Para o empresário, não é provável que a manifestação atual de Bolsonaro desencadeie um desembarque de Paulo Guedes do governo, mas este cenário é visto com cautela.

Miranda avalia que o ministro da Economia fica no governo para impedir uma "explosão" do país. De volta à memória da eleição de 2018, quando o mercado financeiro deu sinais fortes de apoio a Bolsonaro, o empresário diz que o mercado sempre desconfiou da conversão liberal do então candidato.

"O mercado não foi tão ingênuo, mas acho que a quantidade de intervencionismo que está havendo agora e o medo de uma guinada 100% intervencionista e de uma ruptura de regime, ninguém acredita muito mas, opa: 'talvez isso aqui tenha que entrar na conta'", diz Miranda.

Felipe Miranda, sócio-fundador da Empiricus - Karime Xavier/Folhapress

Qual é a sua avaliação sobre a ação de Bolsonaro na Petrobras? Acho muito ruim como um todo. Mostra ingerência política. Mesmo sendo estatal, tem uma questão importante da Lei das Sociedades Anônimas e das estatais, que blindam interesses políticos e exigem que os administradores atuem pelo melhor interesse da companhia. Como os conselheiros podem justificar a troca de presidente por estar em desacordo com o interesse do governo? Tem espaço, inclusive, para judicialização. E o desconforto do presidente é, claramente, com a política de preços. Então, se ele trocou o presidente por isso, por que imaginaríamos que não vai mexer? Me parece clara essa intenção.

E as estatais em geral? O temor é que ele venha a trocar também o presidente do Banco do Brasil e possa também mexer no setor elétrico. Todos estão sob alvo. É muito complicado pensar em melhora de eficiência. E também entra a questão mais macro, como a política liberal, reformista, sobre como dar uma trajetória crível para a nossa dívida. Essa deveria ser a sinalização.

E o processo se retroalimenta, porque quando ele faz isso, o dólar sobe e com a paridade internacional ele vai forçar novos aumentos de preço. Ele mesmo força o aumento de preço do petróleo. Ou ele vai ter que segurar na marra.

Esse tipo de intervenção se volta contra. Quando você represa preço de combustível, uma hora bate na inflação de dois dígitos. Como foi quando o [ex-ministro da Fazenda Joaquim] Levy soltou a inflação. Os efeitos do tabelamento de preço são conhecidos. Não adianta esperar outra coisa. Ou você vai quebrar a Petrobras ou, uma hora, vai ter que soltar o preço. Aí a inflação vem ali na frente. Tem o efeito sobre o dólar, que também é inflacionário, tem a disparada do juro longo, que vai jogar a economia para baixo. É uma tragédia do início ao fim.

Antes, o mercado já tinha caído um pouco em si, entendendo que a gente não caminharia de forma muito incisiva em grandes reformas. Poderia ter um golzinho aqui ou ali, uma autonomia do Banco Central, o marco do saneamento, mas muito cético com reforma tributária e um pouco cético com a administrativa.

Agora, você traz dois problemas para a mesa, além desses. Voltou o risco de intervenção, de discursos como 'o petróleo é nosso'. Voltou essa história de um intervencionismo e de uma política populista que, de algum modo, a direita dá uma volta em si mesma para encontrar o intervencionismo estatal da Dilma.

O mercado não contava com isso na campanha de 2018? O mercado foi ingênuo? Talvez ingênuo seja uma palavra forte. O mercado trabalha com probabilidades. Ele foi convencido de que havia uma boa probabilidade de que, com aquela composição de ministério da economia e de estatais, a gente poderia caminhar um pouco na agenda liberal. Tanto que a gente esboçou alguns passos nessa direção, como a reforma da Previdência.

Eu não gosto da abordagem maniqueísta: ou é tudo intervenção ou é tudo liberal. Tem muitos tons de cinza aí no meio. O mercado sempre desconfiou dessa conversão liberal. Era um 'não tem muito, mas é o que temos'. A alternativa era muito ruim. Então, entre a certeza do intervencionismo e alguma chance de uma agenda liberal, tinha uma esperança de que não seria um amplo liberalismo, mas, diante da alternativa, era o melhor.

O Paulo Guedes conseguiu trazer boa parte do empresariado. Não é que o mercado acreditou 100%. Lá fora as Bolsas estão renovando recordes sucessivos, e a gente aqui está patinando. O mercado não foi tão ingênuo. Mas acho que a quantidade de intervencionismo que está havendo agora, o medo de uma guinada 100% intervencionista e de uma ruptura de regime, ninguém acredita muito, mas, opa: 'talvez isso aqui tenha que entrar na conta'.

E o mercado conta com a possibilidade de Paulo Guedes sair do cargo? É sempre uma distribuição de probabilidades. A gente não acredita muito em: 'o que vai acontecer'. Ninguém sabe. É uma distribuição de vários cenários possíveis e cada um desses cenários tem uma probabilidade associada. A saída do Paulo me parece provável? Não. Eu acho que ela ficou um pouco mais possível.

Então, esse cenário, que era de baixíssima probabilidade, para mim, tem baixa probabilidade ainda, mas ele ganhou alguns percentuais aí nessa aferição de probabilidade. E por que eu acho que ele tem baixa probabilidade? Primeiro, porque há uma proximidade pessoal entre os dois. O Paulo fica por causa do senso de responsabilidade com o país.

Ele sabe que esse risco seria trágico, uma real argentinização do Brasil. Ele é uma espécie de cão de guarda de grandes besteiras. Ele barrava as pequenas besteiras, coisa que agora já não está conseguindo mais. Mas eu acho que a figura do Paulo impede, de algum modo, a grande guinada rumo ao intervencionismo ou ao choque de regime. Impede que se dê o abandono completo da agenda liberal, do fiscalismo. O Paulo sabe que o Brasil explode amanhã se ele pedir demissão. Ele virou prisioneiro. Não é que eu acho que ele vá entregar muita coisa. Acho que até ele mesmo sabe: 'eu fui vencido, mas estou aqui'. Acho que ele era um atacante e virou um goleiro. Para mim, ele está ali para evitar a explosão deste país.

A tendência não é piorar à medida que se aproximam as eleições, porque Bolsonaro vai querer se reeleger e, para isso, deve continuar fazendo manifestação populista? Esse, sem dúvida, é um risco. Eu, por outro lado, tenho uma visão um pouco diferente desse processo. Eu acho que a chance de ele perder a eleição aumentou de sexta-feira para cá.

Acho que, se ele der uma guinada dessa, ele perde, porque ele foi eleito com o apoio de parte do empresariado e do mercado financeiro, que, de algum modo, até porque não tinha alternativas também, acabou, em alguma instância, acreditando em um liberalismo ao menos parcial desse governo.

No momento em que ele faz o que fez, ele perdeu o apoio de parte do empresariado e do mercado financeiro. Então, fica cada vez mais dentro de uma ala ideológica e de uma camada que vai ser diretamente beneficiada por esse populismo. Mas a percepção de risco do brasileiro não é o CDS [termômetro da confiança dos investidores]. A percepção de risco do brasileiro é a taxa de câmbio. E o dólar está subindo. Se ele der uma guinada adicional nessa direção, esse dólar explode. Quanto vai ser o dólar? R$ 7? R$ 8? Isso gera inflação e destrói as camadas mais baixas.

Aí vai ter que subir taxa de juro no ano que vem, efeito inflacionário galopante. O Banco Central, cada vez mais autônomo e independente, deve subir bastante taxa de juro, e a gente vai chegar na cara da eleição com uma enorme depressão econômica.

Então, parece eleitoreira essa decisão, mas ela acaba dando a volta. Dólar dispara, inflação dispara, juro dispara, economia mergulha. E como é que você é eleito? Sem apoio do mercado financeiro, sem apoio do mercado de capitais. O Lula se elegeu quando ele veio para o centro. Os discursos muito populistas e muito radicais dos dois lados não me parecem ter chances tão grandes. O populismo talvez faça ele perder a eleição, porque a inflação vai galopar. Acho bem complicado.

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