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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Após morte do fundador do Reclame Aqui por Covid, empresa fala de luto

Edu Neves, CEO da companhia, diz que empresa viveu 'consternação absurda'

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São Paulo

A primeira semana após a morte de Maurício Vargas, fundador do Reclame Aqui, por Covid, foi de luto administrado a distância com choro em grupo de WhatsApp. Segundo Edu Neves, CEO da empresa, a decisão foi não exigir performance e construir rede de apoio.

Edu Neves, presidente do Reclame Aqui
Edu Neves, presidente do Reclame Aqui - Divulgação

Como está o luto? Um processo. Foi um choque. [Quando Vargas ficou doente], fomos só adiando reuniões e coisas que ele participava. Estamos no meio de um processo de investimento, então, estava assim: ‘ele não volta nesta segunda, marca na outra’. Mas em dois dias o quadro dele piorou. Todo mundo tentando negar. No mesmo dia [da morte dele, 2 de abril], faleceu outro colaborador nosso, o Davi, às 14h. E o Maurício, no começo da noite. A empresa passou por uma consternação absurda.

Como ficou a equipe? Temos um grupo de WhatsApp da companhia, tem perto de 200 pessoas. Elas se falavam no grupo como se estivessem na empresa, expondo as dores, uma incredulidade, medo de orfandade. Teve de tudo. No domingo à noite, reunimos a diretoria: ‘o que vamos fazer?’. Alguns falaram: ‘amanhã, vamos trabalhar. Se ele estivesse aqui, ia perguntar por que está todo mundo chorando se é dia de trabalhar’. Ele tinha essa força de realização. Era visionário, resiliente. E nós fomos nisso. Fizemos reunião na segunda com um terço da empresa, as pessoas que tinham mais contato com ele. Como a gente veio crescendo, 40% da empresa entrou do ano passado para cá. Nem conviveram pessoalmente com ele. Conversamos para ver como íamos tocar os dias seguintes, não a empresa, o plano, os produtos.

Era: ‘como vamos passar os próximos dias?’ Todo mundo chorou, contou histórias. Resolvemos tocar a semana, ir conversando, com uma rede de apoio interna. Um segura o outro. Fiquei nessa missão. Até brinquei que essa semana eu não trabalhei. Fiquei conversando, chamando no WhatsApp, perguntando como estavam, medindo o clima.

A gente meio que esqueceu a companhia. Foi melhorando. Focamos em não querer performance, em achar caminho. Ele é lembrado pela resiliência. Teve gente que brincou que ele ia ficar bravo por chorarmos na reunião, ia dizer que estamos gastando dinheiro da empresa à toa.

Conte uma dessas histórias. Conheci o Maurício depois que ele teve a ideia da empresa lá em 1999, quando ele perdeu um voo e, com isso, perdeu um negócio. Ele quis avisar a empresa que o overbooking, que na época era permitido, atrapalhava a vida das pessoas. Não era para falar de reembolso. E não foi aquilo que a marca vendia nas propagandas, de que tinha um canal para o consumidor falar com o presidente. Ele tentou e não conseguiu. Não conseguiu falar com ninguém.

Aí, encontrou um amigo publicitário e disse que ia montar um site onde os consumidores iam reclamar. O amigo falou: 'bota o nome Reclame Aqui'. Ele disse que ia fazer e fez. Era um projeto pessoal, mas ele sempre falava como o projeto de vida, que aquilo ia mudar tudo. Ninguém dava ouvidos. Pouca gente percebia. Até 11 anos atrás ele trouxe como projeto pessoal. Aí ele trouxe o Diego, estagiário na empresa que ele tinha de software, para ser sócio porque tinha que ter alguém para programar. Em 2008, o Google começou a indexar, o conteúdo do Reclame Aqui.

Nessa época, eu conheci ele. Eu tinha outra empresa de infraestrutura de tecnologia. Um dia, fomos tomar cerveja, e falei que eu estava de saco cheio, que eu tinha ganhado um dinheiro e ia embora para os EUA passar um ano com a família. Aí ele falou: ‘não, eu tenho uma coisa muito melhor para você fazer com o seu dinheiro, estou captando, quer vir ser sócio?’ Fui para casa e falei para a minha esposa que a gente não ia mais para os EUA porque tínhamos ficado sócios de uma empresa de internet. Ela falou: ‘como assim? Aquele negócio do Maurício Vargas?’

Era muito claro que a gente estava usando a dinâmica de força de opinião do consumidor em prol do consumidor. Fazia todo o sentido. Era isso que o Maurício dizia para todo mundo. Achavam louco. Eu achei o máximo.

Maurício Vargas, fundador do Reclame Aqui; ele morreu nesta sexta (2)
Maurício Vargas, fundador do Reclame Aqui; ele morreu no dia 2 de abril - Reclame Aqui


Você já estava à frente da empresa antes de ele adoecer? Sim. Eu investi e a gente criou a empresa, precisava ter um nome de holding. Escolhemos Óbvio. O Maurício sempre discursava: ‘É obvio que se você não atender bem o cliente, ele vai procurar outro. E se atender bem, vai voltar’. Ele fala até hoje. Falava até uma semana atrás. A gente criou essa empresa e sustentou com o dinheiro do bolso por seis anos. Há quatro anos, lançamos o primeiro software.

Recebemos investimento, e do ano passado para cá, começamos uma transição. Trouxemos uma pessoa para operações, eu me movi para assumir a condução estratégica, e o Maurício foi ficando já com relações institucionais, projetos de marketing e cursos. O Reclame Aqui é uma marca personalista. A marca e o Maurício Vargas se misturam. Ele ficou como presidente do conselho e eu como CEO.

Quem fica no lugar? Vai ter um processo de sucessão. Provavelmente, vamos ter alguém da família, deve ser o Felipe [filho de Vargas], mas ainda não tomamos a decisão de quem fica na presidência do conselho. Na companhia como um todo, ninguém vai substituir. Ele sempre participou de todas as áreas. Vai ser um trabalho mais de desenvolver essas áreas, principalmente o marketing, onde ele estava muito ligado.

Com essa sua perda, o que está achando do Brasil na pandemia? Quem se responsabiliza? É até difícil medir. Convivi com o Maurício 11 anos, nem sei quantas pizzas e cervejas. O que é revoltante, eu acho que temos políticos extremamente incompetentes. Um país egocêntrico, que não consegue se ver como nação. A gente é, antes de tudo, sociedade. As empresas são um instrumento social forte. Vivemos para melhorar a vida das pessoas com produtos, serviços.

A gente brigou para dizer para as empresas: ‘você que está sentado dirigindo uma empresa também é um consumidor’. Para nós, é a mesma coisa. Será que dá para os políticos e empresários entenderem que eles também são população? Não é porque tem salário maior do que o cara da periferia que pode se acomodar. A pandemia está arrebatando gente de todo salário. A gente guarda um sentimento que tem de ser transformado em ação, em um basta. Não tem solução simples. Não é fechar ou abrir, esquerda ou direita. O setor empresarial tem responsabilidade. Precisa sentar, ajudar a ter um plano para o Brasil e pressionar os políticos.

O Maurício era um cara no auge da criatividade. Ia voar. Ficou trancado em casa, super cuidadoso, morria de medo, saía pouco, ia pouco ao mercado. Aconteceu. Está aí. Inacreditável.


Edu Neves
CEO e sócio do Reclame Aqui. Empreendedor no mercado de tecnologia da informação há mais de 25 anos, com foco em marketing na relação de consumo​

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