Emidia Haydee Fricke, a dona do Bar da Haydee, boteco encravado em um trecho degradado da avenida Nove de Julho, frequentado por gerações de ex-alunos da FGV-SP, morreu na quinta-feira (15), aos 75 anos.
Durante cerca de 30 anos, até fechar o bar em 2006, ela recebeu alunos das escolas de administração pública e de empresas com lemas como "sem tesão não há solução".
Haydee, como era conhecida, preservou a amizade com dezenas dos clientes do boteco a quem ela se referia como filhos.
Em 2018, no mesmo ano em que sofreu um AVC, foi homenageada em uma festa de ex-alunos da faculdade.
Com as sequelas, a saúde enfraqueceu, pegou Covid e morreu na Santa Casa, segundo a filha, Maria Cecilia Fricke Chohfi.
"Ela conta que estava lavando o chão do bar quando eu nasci", diz a filha. "Tinha um quartinho lá em cima, eu dormia lá porque queria ficar com a mãe. No impeachment do Collor, fizemos uma bandeira gigante escrito: Justiça mostra a tua cara", afirma Chohfi.
A filha guarda histórias dos alunos, alguns deles, que alcançaram altos cargos em empresas e órgãos públicos, a ensinaram a jogar truco, mas também a impulsionaram na carreira. Hoje, aos 40 anos, Chohfi é psicóloga e diz que fez quatro graduações, morou em outros países e estudou cinco idiomas, sempre estimulada pelas referências que tinha no bar.
"Marcou gerações de alunos, professores e a comunidade da Bela Vista. Era sinônimo de democracia, de respeito à diversidade. Era acolhimento", diz Clodoaldo Pelissioni, estudante da turma de 1993, que foi secretário dos Transportes Metropolitanos de São Paulo.
"Alunos vindos do interior, como eu, e estrangeiros, eram acolhidos como filhos. Mais do que cerveja gelada e coxinha, se ia para lá porque tinha gente interessante, professores, alunos, ex-alunos. Era onde se discutia política. Ela era eleitora do PT, porém, permitia que tucanos, liberais, petistas e direitistas, discutissem naquele momento de redemocratização", afirma Pelissioni.
Diversas gerações fizeram uma vaquinha que arrecadou R$ 40 mil para ajudá-la a reformar o boteco. Ao longo dos anos, enviaram uma coleção de cartões postais, estamparam camisetas com frases de homenagem a ela e ao bar.
Haydee era "atrevida, peituda, uma leoa, se chegasse alguém armado, botava o peito na frente e dizia: 'baixa essa porra, rapaz'", afirma a filha.
Calouro em 2001, o hoje diplomata João Zanini, que esteve com ela pela última vez no ano passado, ganhou o apelido de "mão" quando entrou na GV, porque Haydee colocou a mão sobre a cabeça dele na festa do trote, e os veteranos rasparam seu cabelo com o formato dos dedos dela.
"Tínhamos 18, 20 anos, e não havia Tinder ou Twitter na época. Foi no Bar da Haydee que muitos de nós tiveram o primeiro contato com a política fora de casa, com rodas de MPB, com o amor bom e com o amor sofrido. A gente conheceu com ela um tipo de boemia que regenera, embora mães e namoradas não entendessem muito bem que esse aprendizado precisava acontecer tantas vezes na semana", diz Zanini.
"O mais difícil é que a Haydee partiu totalmente fora de hora, com esse deficit de empatia que vemos no Brasil hoje. Mas ficou muita coisa dela com a gente, a ponto de eu e outros muitos nos lembrarmos não só da FGV como nossa alma mater, mas como ex-alunos da FGV-Haydee", afirma.
Para Rafael Furlanetti, sócio da XP que se formou em 2008, ela deixou um legado de carinho e atenção com as pessoas. "Aquele abraço gostoso, aquela risada única que ela tinha e contagiava. Para quem saiu de casa e veio para São Paulo estudar, eram momentos em que você sentia que tinha um ombro amigo, alguém para conversar e desabafar", diz ele.
Apaixonada por perfumes, foi enterrada com o preferido, Chanel N°5, segundo a filha.
"Ela chamava todo mundo gatão, lindão, conquistou os enfermeiros na UTI. Pedi para passar um perfuminho nela", diz Chohfi.
Haydee deixa quatro filhos e dez netos.
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