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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Aos 110 anos, Salton atravessa pandemia com aumento de vendas e falta de rolhas

Vinícola se beneficia de mudança de hábitos com distanciamento social, mas não escapa de dificuldades como a escassez de vidro

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São Paulo

O reflexo do distanciamento social no comportamento do consumidor na pandemia contribuiu para a Salton completar seus 110 anos em 2020 com crescimento de 27% nas vendas de garrafas de vinhos e 14% nos espumantes.

Também se expandiu nas exportações, além de um incremento nas vendas online, e, nas últimas semanas, até um avanço no movimento do enoturismo, com a demanda reprimida dos clientes por atividades ao ar livre.

A empresa, porém, não atravessa incólume a pandemia. Embora o relacionamento de longa data com seus fornecedores tenha ajudado a contornar a escassez no abastecimento de vidro para garrafas, que atingiu a indústria em geral, houve dificuldade com as rolhas, que são importadas.

Para Maurício Salton, que assumiu o cargo de diretor-presidente da Salton às vésperas da paralisação dos caminhoneiros, em 2018, pouco tempo após a vinícola atravessar uma grande quebra de safra, em 2016, as crises são parte do jogo. “Céu de brigadeiro não existe”, diz o empresário.

Presidente da vinícola Salton, Maurício Salton - Eduardo Anizelli/ Folhapress

Como foi a história da empresa? Foi fundada em 1910, mas a família veio da Itália para o Brasil em 1878, trazendo a cultura do vinho. Funcionava como um armazém geral. A família elaborava os vinhos de maneira simples e servia aos visitantes que cruzavam a região, mas também vendia queijo e fiambre.

Com os anos, orientou o foco para os vinhos. Na década de 1930, começou a elaborar espumantes pelo método tradicional. Ainda temos algumas garrafas históricas guardadas. Um braço da família veio para São Paulo e teve proximidade com um mercado importante, hoje o maior consumidor de vinhos do Brasil.

Começou a elaborar mais destilados, algumas variações usavam vinhos na composição, como vermutes. No fim dos anos 1970, embora a empresa tivesse algumas décadas, tinha ainda uma visão familiar em termos de gestão. Por vezes, se confundiam os papéis de executivo e família, o que era um problema.

Naquele momento, houve uma decisão de fazer com que o negócio fosse sustentável. E isso exigiria uma série de mudanças. A família que não é profissional não tem como fazer parte do negócio. Houve uma separação de papéis, investiu-se em uma gestão mais profissionalizada. Com isso vêm ideias de mercado, estilos de produtos, estratégias de investimento, tudo com mais corpo e mais musculatura.

O que mudou? A partir dos anos 1980, a empresa começa a ganhar escala. Ainda tinha uma participação forte dos destilados, que foram importantes na história da empresa. Começa um olhar mais técnico, investimentos específicos na parte de qualitativa. Foi uma mudança de estilo, porque o Brasil, não só a Salton, tinha uma cultura mais voltada para a quantidade. A qualidade ficava em segundo plano.

A mudança de estilo, de condução de vinhedo, orientada para uma produtividade menor, uma elaboração mais específica, trabalhando com aço inox em detrimentos daquelas pipas antigas de madeira, tudo isso aconteceu entre os anos 1980 e o início dos 1990.

Nos anos 2000, houve um crescimento da marca atrelado à evolução da qualidade dos produtos. E houve o crescimento dos espumantes, em que a Salton já detinha uma participação importante e um expertise na elaboração.

Hoje, os espumantes são o produto mais representativo, em que temos a maior fatia do mercado, foco nas exportações. Conseguimos crescer em cima dessa categoria, alavancou a marca da empresa e nos permitiu inovar.

Como foi a abertura desse mercado exportador? Hoje, a Salton é a maior exportadora de espumante, com mercados que começam a reconhecer o Brasil em novos nichos. Quando começamos a fazer um trabalho de exportação, foi bastante desafiador porque a imagem do país era restritiva para alguns temas: Amazônia, Pantanal, Carnaval, pessoas alegres.

Falar lá fora que o Brasil produzia vinhos, espumantes, gerava dúvidas. Tivemos de fazer um trabalho de anos para divulgar o Brasil como produtor, depois garantir que existia uma constância de qualidade e trabalhar nossa marca até ganhar confiança dos mercados.

Como a pandemia alterou o consumo per capita de vinhos? A pandemia trouxe uma mudança de hábitos de consumo. Teve um crescimento do consumo per capita, que conversou muito com o período de restrições. Entendemos, pelas pesquisas, que as pessoas passaram a consumir mais os pequenos prazeres que podiam ter em casa. Essa mudança já vinha acontecendo, mas de maneira tímida.

Esse período alavancou o crescimento da categoria e a percepção de qualidade do produto nacional. E permitiu, por questões econômicas, um incremento das exportações. Foi fruto de um momento difícil em que todo o mundo teve de se restabelecer, mas, para o setor vinícola, acabou sendo um caminho positivo.

O enoturismo também cresceu? Talvez a maneira mais eficiente de uma vinícola divulgar seus produtos seja o enoturismo, porque consegue passar a experiência para o consumidor. É diferente de comprar no supermercado ou restaurante. As pessoas se tornam mais receptivas para conhecer. É oportuno enquanto existem restrições de viagem, e as pessoas procuram experiências ao ar livre.

É algo que alavancou bastante o setor e ganha expressão. Estes últimos dias surpreenderam, acho que é uma consequência de as pessoas estarem há muito tempo isoladas.

Quando tem uma alternativa, com jardins, em que se pode ficar, fazer um lanche, as pessoas aproveitam. Claro, com respeito a todos os protocolos, mas são fluxos, por vezes, superiores ao que percebíamos antes da pandemia.

Vocês tiveram dificuldades de fornecimento na pandemia? Falta de vidro para garrafa, por exemplo? O ano passado foi muito desafiador em termos de gestão de cadeia produtiva. Tomamos uma decisão importante para avançar para o segundo semestre com estoques e atender a demanda de fim de ano.

Como seguimos com fluxo, tivemos uma venda ligeiramente aquecida no início, conversamos com nossos fornecedores e garantimos a compra do ano independentemente do cenário que se apresentaria.

Mostramos para o nosso fornecedor uma segurança de que ele poderia produzir que a Salton iria comprar. Essa estratégia foi bem-vista porque a Salton teve uma retomada mais rápida do que o mercado e sofreu menos com a ruptura de insumos. Sentimos, sim, algumas situações com garrafas, mas pontuais. Temos parceria de longa data com os fabricantes, o que facilita a comunicação.

Sofremos também com insumos importados, por exemplo, rolhas. Houve descompasso porque os países de origem estavam passando dificuldades portuárias e logísticas. Isso prejudicou o fluxo produtivo. Mas a estratégia de garantir uma compra em um cenário incerto permitiu que a Salton atingisse números surpreendentes nas dificuldades.

Vocês tiveram menos impacto das restrições nos canais de venda, mas o digital ganha importância? O online é um canal importante, não o principal. A participação é mais representativa nos supermercadistas. Mas tem ganhado uma fração na receita, seja no canal próprio, seja em sites de terceiros. E em 2020 teve um crescimento bem significativo.

Entendemos que é uma questão do perfil de consumo do momento. As pessoas em distanciamento preferem o conforto de receber em casa. Teve uma migração das bebidas consumidas em restaurantes, eventos, que foram absorvidas em parte pelo varejo mas também pelo ecommerce.

São frentes novas, se considerarmos a realidade da empresa em 110 anos, estamos falando em meio digital nos dez anos mais recentes. Ganhou um protagonismo maior a partir deste último ano.

Como foi a sua experiência ao assumir o cargo? Essa transição da terceira para a quarta geração aconteceu em 2018. O Daniel, meu pai, já estava na empresa havia mais de 40 anos, não na função de diretor-presidente. Ele antes foi diretor comercial. Ocorreu o falecimento do Ângelo, que era o diretor, as coisas mudaram, mas ele já vinha de uma trajetória longa na parte executiva. Foram anos difíceis para a empresa.

Em 2016, tivemos, talvez, a menor safra da história do setor, com uma quebra gigantesca, próxima de 67%, algo não visto. Operamos quase sem uvas. E houve sucessões de movimentos difíceis. Enfrentamos impeachment, greve de caminhoneiros. Foram anos com desafios novos, que movimentaram a empresa.

Como foi assumir no meio das dificuldades? Assumi o cargo de diretor-presidente em abril de 2018 e, três meses depois, teve a paralisação dos caminhoneiros. Tivemos consequências de perda de timing. Foi em maio, quando fazemos o abastecimento do mercado para o inverno. Sofremos muito naquele ano. Mas é parte do jogo. Céu de brigadeiro não existe para ninguém.

Foi o momento mais difícil da empresa? Dos anos recentes. Na história, claro que enfrentamos inúmeros desafios. Podemos colocar os momentos familiares na década de 1970, que foram decisivos. A migração da segunda para a terceira geração foi fundamental para que o negócio perdurasse, para minimizar interferência familiar e trazer alguns familiares e executivos de mercado com maior distanciamento do interesse particular.

Os anos 1980 foram também decisivos por causa dos investimentos e uma descapitalização, quando o Brasil enfrentou dificuldades econômicas com a hiperinflação. Tenho na memória de criança como um momento difícil. Eu via o desgaste emocional que tinham meu pai, meus tios.

Mas a safra de 2016 foi muito desgastante. Encerramos o ano com uma série de produtos em ruptura e iniciamos o ano seguinte com uma fração ainda maior aguardando a próxima safra. Passamos um ano inteiro rezando para que a safra seguinte fosse boa.

Foi um ano de muita apreensão, de repasses de preço fortes para o mercado, o que impactou na participação de mercado das vinícolas. O vinho brasileiro perdeu espaço. Trouxe consequências graves para o setor, e todo o mundo encontrou sua maneira de subir novamente.

Tem planos de abrir capital? Formalmente não. Mas esporadicamente se fala do potencial da empresa para o mercado. A gente recebe pessoas do meio que acham que teríamos um potencial bacana. Tem uma história positiva, uma participação de mercado boa e ganhou muito quando investimos no exterior.
Nosso volume de exportações, principalmente de espumantes, chamou a atenção do mercado lá fora. Surgiram questionamentos em cima dessa transição, mas, por ora, não há uma formalização, algo que se fale em reunião de conselho, um tema recorrente.


Salton
Em 2020, a vinícola vendeu 9,7 milhões de garrafas de espumantes e 11,3 milhões de vinho, com vendas brutas de R$ 400 milhões e receita operacional líquida de R$ 270 milhões, quase 6,5% superior a 2019. Na exportação, quase R$ 11 milhões em vendas e 1,1 milhão de garrafas

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