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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Presidente da Leão diz que mercado de chás vai crescer, mas sem concorrer com café

Empresa chega aos 120 anos com diversificação de produtos e lança bebida infantil

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São Paulo

A despeito dos episódios difíceis que atravessou em 120 anos, como a morte de uma sucessora, a gripe espanhola e incêndio nas fábricas, a brasileira Leão Alimentos e Bebidas é líder no mercado de chás. Mas ainda vê o Brasil longe de atingir seu potencial de consumo da bebida, segundo Dirk Schneider, presidente da empresa. “Aqui se consome entre 19 e 20 xícaras per capita por ano. Em outros países, inclusive vizinhos, é 10 a 15 vezes maior”, diz.

O esforço para multiplicar os momentos de consumo para além do inverno é antigo, como na popularização do chá-mate gelado nas praias cariocas no século passado. Hoje, quase 15 anos depois da integração à Coca-Cola Company, a estratégia para esse crescimento vai na diversificação dos produtos como infusão a frio, cápsula e chás premium.

A ideia não é avançar tentando tirar espaço do café, segundo Schneider, até porque o Sistema Coca-Cola tem negócios neste mercado. O caminho é o desenvolvimento do conceito de funcionalidades da bebida, impulsionado pela mudança de hábitos do consumidor na pandemia, com o aumento na demanda por produtos ligados a saúde e bem-estar.

A próxima fronteira é uma linha de chás para criança chamada Leãozinho. 

Dirk Schneider, presidente da Leão Alimentos - Bruno Santos/ Folhapress

Como foi a história da Leão? Chegou aos 120 anos em maio, sempre passando adiante as tradições, receitas e competências que até hoje estão inseridos na cultura organizacional da Leão. Começou em 1901, quando Agostinho de Leão Junior fundou uma industrializadora de erva-mate em Ponta Grossa (PR), que, na época, já começava a incentivar bastante a comercialização e o uso da erva-mate, que se tornou um hábito grande.

A empresa se tornou mais importante nos anos 1920, quando virou a maior produtora de erva-mate no Brasil, exportando já 5.000 toneladas para países como Argentina, Uruguai e Paraguai. Foi difícil transportar a erva-mate para o porto de Paranaguá para carregar os navios. Já nesta época, a logística foi dominada pela família Leão.

Outro marco foi nos anos 1940, quando começava a surgir o mate torrado da forma como conhecemos hoje. Foi importante para começar a ser consumido nas casas de chás que surgiam no país. Na época, havia um slogan: Use e abuse. Já vem torrado. Foi o momento em que a marca Matte Leão foi adotada e registrada, inclusive com a embalagem icônica, laranja, como nós ainda usamos hoje.
Nos anos 1950, foi o primeiro passo para buscar uma dessazonalização do consumo do chá quente, quando foi criado o chá gelado. Na época, o Rio era a capital federal e cultural do país, e o chá-mate gelado virou ícone das praias e do Maracanã. Hoje ainda faz parte da cultura dos cariocas. Nas décadas seguintes o comportamento do consumidor foi incentivado a mudar através de outras formas de consumir os produtos da Matte Leão.

Nos anos 1960 e 1970 foram criadas novas formas como o chá solúvel, em pó, para uso instantâneo, o concentrado, para diluir em água e o chá em sachês. Nos anos 1970 e 1980, mudou ainda mais a exigência do consumidor com novos produtos como chá preto, ervas naturais e frutos e flores. Depois, houve um tempo com poucas mudanças no portfólio, até 2007, quando o Sistema Coca-Cola comprou a Leão Junior e ela foi, em 2012, integrada dentro da Leão Alimentos e Bebidas, da empresa como está constituída hoje.

Foi integrada dentro de uma joint venture entre a Coca-Cola e os franqueadores no Brasil, como uma forma de operar essa empresa como uma incubadora, que já tinha integrado Sucos Mais, Del Valle, para se tornar cada vez mais uma empresa total de bebidas.

Quais foram os momentos mais difíceis? Em 1907, o Agostinho de Leão Junior faleceu e a esposa, Maria Clara, assumiu a liderança. Foi inédito na época uma mulher liderando uma indústria desse porte no país. Virou parte do DNA. Sempre teve muitas mulheres na empresa. Temos cerca de 50% de mulheres nas funções de liderança. Foi criada naturalmente essa diversidade.

Em 1912, a empresa sofreu um incêndio, perdeu a fábrica inteira. Para reconstruir, a família se mudou de Ponta Grossa para Curitiba, onde a segunda fábrica foi construída. Em 1926, cresceu e precisava se reestruturar mais uma vez, se mudou para outro bairro fora da cidade e construiu uma nova fábrica já com energia elétrica própria, terminal ferroviário próprio, com casas perto para os funcionários.

Em 1930 veio um novo incêndio, a fábrica se perdeu. Foi uma faísca de uma locomotiva. E a família se mudou para outro lugar reconstruindo do zero. Aprendemos a ter uma cultura de segurança muito desenvolvida.

Como veio a pandemia na história da empresa? Vou dar um passo para trás. A pandemia em 1918 teve impacto, inclusive, na família Leão. Se perdeu, na gripe espanhola, uma das filhas, que estava na linha de sucessão da empresa. Para garantir que a família superasse esse momento e desse continuidade, o genro da Maria Clara, o viúvo, foi solicitado para casar com a filha mais nova para garantir a sucessão da família nesse império de erva-mate.

Na pandemia de 1918, a família passou por dificuldades. Na pandemia de 2020 e 2021, a empresa teve momentos menos difíceis porque estava preparada, como parte do Sistema Coca-Cola. Temos uma estrutura desenvolvida que ajudou globalmente a adaptar rápido para as mudanças.

Por termos uma cultura um pouco de startup, já tínhamos práticas de home office há alguns anos. Então, as pessoas eram incentivadas a trabalhar alguns dias por semana em casa. Nós já trabalhávamos com horários flexíveis e tínhamos outras políticas que ajudaram.

Nas operações em si, como somos classificados como essencial, precisamos nos adaptar e usamos as práticas de outras empresas do Sistema Coca-Cola em países que já estavam mais avançados para fazer distanciamento, evitar pontos de encontro, tirando o ponto na entrada da fábrica.

A pandemia em si causou mudança nos hábitos de consumo. Quando aumentou a preocupação com saúde, bem-estar, imunidade e resistência, o chá foi considerado um produto benéfico por causa das funcionalidades. Impulsionou um crescimento da categoria.

Fora o desastre sanitário, social e econômico, foi um momento positivo. Crescemos duas vezes o que estava previsto. Já vínhamos de um crescimento de dois dígitos nos últimos anos, por uma estratégia de longo prazo para o segmento de chás, que nos permitiu antecipar em um ano o plano de dobrar o tamanho da empresa até 2024.

Na pandemia, houve uma redução na quantidade de produtos novos lançados por diversos setores. Vocês tinham intenção de colocar mais produtos no mercado? A pandemia em si não impactou a nossa rotina de desenvolvimento de produtos. Mudamos o que historicamente eram painéis de consumidores, de pessoas trabalhando juntas para refinar os produtos. Mudamos para uma forma virtual e continuamos.

Em fevereiro, antes da pandemia, lançamos uma linha de produtos funcionais. E outros foram desenvolvidos e levaram ao nosso próximo lançamento, uma nova plataforma de produtos, que é a linha infantil, com a marca Leãozinho. Foi integralmente desenvolvida a distância. A partir de outubro, teremos outras desenvolvidas na pandemia.

E esse produto infantil? Tem adição de açúcar? Essa linha vem em três sabores desenvolvidos com o conhecimento do Sistema Coca-Cola em outras categorias que já têm produtos infantis, como a marca Ades e Del Valle Kapo. Os chás infantis não têm adição de açúcar nem outros aditivos. É um produto 100% natural. Tem uma leve doçura pela folha de stevia, que é um adoçante 100% natural.

O potencial de mercado brasileiro ainda está distante de outros países? O mercado brasileiro tem ainda um potencial de desenvolvimento fantástico porque o consumo per capita hoje ainda é extremamente baixo. Aqui se consome entre 19 a 20 xícaras per capita por ano. Em outros países, inclusive vizinhos, como Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Peru, o consumo é 10 a 15 vezes maior. Ainda hoje, é um segmento extremamente subdesenvolvido.

A Leão tem absoluta liderança com 65% do mercado e nos sentimos obrigados a ser os líderes para dar continuidade.

Vamos buscar atender a demanda crescente para aumentar o consumo per capta nos próximos anos. Estamos fazendo isso por meio de uma estratégia com educação e informações. Em 2019, oferecemos formas de praticidade introduzindo o chá em cápsulas compatível com a máquina Nespresso para um público que não tinha paciência para fazer um chá de infusão. Lançamos produto superpremium para o consumidor que não se sente atraído pelo chá tradicional.

E produtos para tirar a sazonalidade do chá, o estigma de que só pode ser tomado no frio ou no momento de acolhimento, como a infusão a frio. É também para as regiões Norte e Nordeste onde o consumo é ainda inferior. Com essa estratégia, acreditamos que elevaremos o consumo per capita drasticamente.

E vai crescer ocupando parte do momento do consumo de café? Não nos posicionamos diretamente como um concorrente do café. Somos uma alternativa para o café. Por exemplo, quando introduzimos as cápsulas, queríamos dar opções para alguém que está acostumado a tomar café em cápsula. Quando você, como líder de mercado, precisa buscar outras formas de crescimento, sempre a referência do consumo para nós é o café. Mas o chá Leão não vai se colocar diretamente como um concorrente para o café, inclusive, porque o Sistema Coca-Cola tem marcas de café globalmente, que vão ser lançadas e expandidas. Temos estratégias para cada uma das categorias.

Como vocês estão se preparando para o pós-pandemia? A inflação é um receio? Não acreditamos que existe um novo normal. Estamos trabalhando com o conceito de um próximo normal. Significa que ainda vamos ter muitas mudanças e surpresas para a frente. É como uma jornada de uma montanha-russa. Precisamos ter novos planos, não somente A e B, mas C, D e E para aproveitar novas circunstâncias.

A inflação, obviamente, e todos os indicadores macroeconômicos, sempre são uma preocupação, mas não em função da nossa estratégia, que foi desenvolvida. Estamos considerando que nós poderíamos ter ainda mais aumentos. Do câmbio em si, temos insumos que são importados.

Trabalhamos sempre com estratégia de alternativas para compensar total ou parcialmente os impactos.

Mas esses altos e baixos dos indicadores macro sempre aconteceram e nunca causaram atraso ou aceleração da nossa estratégia. Então, não acreditamos que esses fatores vão nos influenciar em função da nossa ambição e missão de dobrar o tamanho da empresa.

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