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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Presença de negros em liderança de empresas não melhorou no Brasil, diz empresária

Liliane Rocha alerta para o que chama de 'diversitywashing', que pode ser comparado ao 'greenwashing'

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São Paulo

O tema da diversidade racial ganhou visibilidade no mundo corporativo, mas as estatísticas ainda não refletem o avanço, segundo Liliane Rocha, fundadora da consultoria Gestão Kairós, especialista no assunto.

Ela critica o que chama de "diversitywashing", uma analogia com o "greenwashing" praticado por algumas empresas que tentam se mostrar diversas ou sustentáveis para os consumidores, e diz que o desempenho precisa ser medido pela participação que, de fato, os negros estão ocupando dentro das companhias.

Liliane Rocha
Liliane Rocha, presidente da Gestão Kairós - Divulgação

O que avançou em diversidade racial nas empresas no Brasil depois dos assassinatos de João Alberto, no Carrefour, e George Floyd? Quando se fala sobre o quanto achamos que avançou, acho que entram olhares subjetivos. Depende de onde foca, de qual perspectiva empresarial. Eu tento tirar essa margem da subjetividade vendo os números.

O censo de 2016 do Ethos mostra que nas grandes empresas havia 35% de negros no quadro funcional e 4,7% na liderança. E também cerca de 35% de mulheres no quadro e 13% na liderança. E a interseccionalidade de mulheres negras tinha 0,4% na liderança. Comparando com o estudo anterior, de 2010, o quadro funcional melhorou, mas na liderança houve quedas, pequenas, na casa decimal, mas houve. Isso chama a atenção. Por que caiu? E por que poucas empresas responderam a questão dos cargos no censo do Ethos de 2016?

Mais recentemente, no censo que a Gestão Kairós tem aplicado com 26 mil respondentes, quando se olha o percentual de negros no quadro funcional, são 33%. O de mulheres, 32%. O de mulheres negras, 8,9%. São números de 2019 a 2021 em grandes empresas, ou seja, não aumentou.

E quando olhamos recortes de liderança, varia um pouco no olhar dos respondentes. Sempre pedimos para fazer o recorte de gerente para cima, mas alguns fazem recorte a partir de consultor, coordenador, acima. Quando se olha de gerente acima, também não melhorou em relação ao estudo do Ethos de 2016.

Podemos dizer que melhorou a diversidade racial? Aí eu entro com a minha opinião, não. Mas onde temos a percepção de que melhorou? Quando se fala em comunicação, palestras, seminários, eventos, comerciais. Todo mundo entendeu a importância de ter discurso inclusivo.

Por quê? Primeiro, porque as empresas entenderam que esses públicos diversos são consumidores. As empresas querem estar associadas a esse poder de compra e essa influência desses grupos sociais. E o jeito mais fácil de fazer isso talvez seja com comunicação, criando produtos. O mais difícil é trazer essas pessoas, conviver, dar espaço.

Eu sempre pergunto: que preparo psicológico precisa para ter para receber uma mulher negra na mesa com o mesmo cargo que você, diretor, vice, presidente? Olhando para você e discordando de algo que você diz? É alguém que nunca esteve nessa mesa, que sempre foi visto numa posição de responder socialmente, que sempre foi o funcionário, o porteiro, a faxineira. Pelo o que eu tenho visto, é difícil.

Na prática, o assunto está colocado, mas ainda é insuficiente? Parece clichê: conseguimos falar, mas não conseguimos agir. Porque a sua ação vai fazer com que aquele diferente esteja junto com você, tomando a decisão com você. Aquela pessoa transgênero, travesti, cadeirante, pessoa negra. É lidar com quem é diferente e, historicamente, pressuposto que não estaria na mesa.

É comum ouvir de grandes empresas percentuais altos de pessoas negras no que se chama de cargo de liderança, mas são cargos baixos. Por quê? Sempre faço esse recorte e pergunto para a empresa: o que você considera liderança? Alguns dizem que supervisor é líder de equipe, mas é preciso observar certos pontos. Nos parâmetros internacionais e nacionais dos guias de sustentabilidade, são gerentes acima. E a partir de qual cargo as pessoas realmente têm um status de líder quando se fala em salário, hierarquia e decisões estratégicas?

Quando vamos para o recorte de gerente acima é que não chegamos a 10% de diversidade. Toda vez que alguém fala que tem 30%, 50% de mulheres, negros, na liderança, já sabemos que a pessoa está dando recorte de coordenador e supervisor acima.

Temos visto muitas empresas se posicionado como antirracistas, mas outras estão com o tema fora do radar. Elas podem ser consideradas racistas? Eu olharia os dados da empresa. Pode ser que ela não esteja falando nada sobre isso mas tenha dados melhores do que as que estão falando. Desde 2016, eu trabalho muito com a questão do diversitywashing, da lavagem da diversidade.

A empresa que comunica diversidade e que é antirracista, mas da porta para dentro não está fazendo nada, é pior do que aquela que não faz nem divulga nada. Quem está divulgando, mas não faz, está sendo antiético, faltando com a verdade nas informações, porque ela pode estar apenas atraindo a confiança e o dinheiro do consumidor que valoriza isso.

Nem sempre, não se posicionar é ruim. Mais racista é quem coloca um monte de negros no comercial, mas na empresa não tem um diretor, um gerente negro. E os negros que estão lá estão passando racismo, tendo de alisar o cabelo, sem poder usar suas expressões e suas roupas.


Liliane Rocha
Fundadora e CEO da Gestão Kairós Consultoria de Sustentabilidade e Diversidade, é também conselheira consultiva de diversidade em empresas como AmBev e Novelis do Brasil e no CEO’s Legacy, da Fundação Dom Cabral, além de docente na pós de sustentabilidade e diversidade na FIA/USP e no Senac

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