Paola Minoprio

Diretora de pesquisa do Instituto Pasteur de Paris, coordenadora da Plataforma Cientifica Pasteur – USP, conselheira de comércio exterior da França.​

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Paola Minoprio
Descrição de chapéu Coronavírus

Ética da ciência ou ciência da ética?

Preconizar medicamentos milagrosos sem a devida base científica gera falsas esperanças é um desserviço

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A situação inédita que estamos vivendo em nível mundial não serviu para aplacar os ânimos acirrados de um lado e de outro do oceano Atlântico por um possível tratamento para a Covid-19, provocada pelo novo coronavírus que assola o planeta.

Nestas últimas semanas, drogas utilizadas no combate à malária e no tratamento de doenças autoimunes "causaram", como remédios milagrosos contra a doença. A falta de estudos clínicos e científicos rigorosos e a urgência desafiaram o princípio de precaução que abraça a percepção inicial de riscos face à inexistência de certezas científicas.

O debate se instalou sob a ótica de especialistas comprometidos com o desenvolvimento econômico do Brasil, ou ainda de médicos e biólogos supostamente engajados com a saúde do povo brasileiro, usando argumentos sustentados por análises pouco robustas.

É possível que os posicionamentos assumidos tenham sido motivados por benesses politicas ou pessoais. Mas o que me pareceu evidente foi a politização do tratamento da Covid-19. Isso muito contribuiu para a desconfiança do público e para o descumprimento das diretrizes de confinamento e de proteção estabelecidas por autoridades de saúde do Brasil e do planeta Terra!

Pronunciamentos de uma parte do governo defenderam de maneira calorosa a eficácia de tais tratamentos para pacientes com a Covid-19. Entretanto nenhum protocolo defendido ou publicado até hoje respeitou a ortodoxia científica.

A ética da ciência deveria ser invocada quando o poder se sobrepõe a contraindicações, efeitos colaterais ou letalidade de drogas com eficácia não comprovada.

Deste modo, não se pode violar o princípio ético fundamental da ciência, que consiste em nunca praticar em humanos experimentos que possam trazer prejuízos, embora o resultado possa interessar muito à ciência ou à saúde.

Além disso, o código mundial de ética médica e científica estabelece que novos processos de tratamento que não tenham sido testados de acordo com preceitos científicos não devem ser divulgados nos círculos médicos ou ao público.

Já no século 19 o médico francês Claude Bernard (1813-1878) levantava essas considerações e preconizava o abandono da medicina empírica em favor de métodos científicos da medicina experimental, baseados em evidências controladas, prospectivas e aleatórias.

Após a Segunda Guerra, compreende-se por que tantas controvérsias entre ética e ciência ocuparam parte do século 20, com a rejeição da seleção genética racial ou outras atrocidades do nazismo.

A conduta médica deve respeitar práticas científicas e princípios éticos e morais.

Neste momento confuso que vivemos, fomos obrigados a assistir a um ministro da saúde que tomava decisões baseadas em conhecimentos médico-científicos ser arrebatado do governo por divergir de crenças empíricas na condução de uma crise da saúde sem precedentes.

Caberia aqui uma reflexão filosófica: o não científico prevaleceu. Consequentemente, se opôs à ética. Tal como a preconização de medicamentos milagrosos sem a devida base científica que geram falsas esperanças nos pacientes e em suas famílias. Quem defende seu uso causa um desserviço à saúde e à sociedade, que já assiste impotente a uma tragédia mundial.

Decididamente, quando os limites da ciência da ética são ultrapassados em favor de ambições ou vaidades, lembro da frase de François Rabelais, filósofo francês, em seu livro "Pantagruel", de 1532: "Ciência sem consciência não passa de ruína da alma".

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