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ESG limita combate à fome

Práticas não são sobre melhorar o mundo, são sobre reduzir riscos

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Rodrigo ‘Kiko’ Afonso

Diretor-executivo da Ação da Cidadania e finalista do Prêmio Empreendedor Social em 2020

Trinta anos depois de a Ação da Cidadania ser lançada, chegamos ao pior número da fome da história do Brasil. Esse retrocesso ocorre depois de décadas de melhora da segurança alimentar do país.

Desde o governo Itamar Franco, passando pelos governos de FHC, Lula e Dilma, os dados da fome vinham melhorando significativamente, chegando a sair do Mapa da Fome da ONU em 2014, pela primeira vez na história.

Em pouco mais de cinco anos, o país saltou de 2% da sua população em situação de fome para 10%, e apenas dois anos depois para 15% ou 33 milhões de brasileiros, números da pesquisa divulgada em junho.

homem de meia idade branco segura microfone e apresenta em palco
Pacto 15 por 15, liderado pela Ação da Cidadania, convoca empresas e pessoas para combater insegurança alimentar - Divulgação/Paulo Barros

Lançado em 2004, o ESG (sigla em inglês para práticas ambientais, sociais e de governança) vem ganhando a atenção de empresas —e em especial dos investidores— nos últimos anos. Infelizmente, não pelos motivos que a grande maioria acredita e pelas quais as empresas tentam nos fazer crer.

Em artigo recente escrito para a Folha, abordei esse tema mais a fundo. O fato é que os investimentos sociais e ambientais sob o guarda-chuva do ESG seguem dois critérios principais: materialidade e localidade.

O primeiro trata de temas sociais e ambientais alinhados aos riscos que a empresa gera para seus investidores. Ou seja, para uma mineradora ou petrolífera, a redução dos danos ambientais está diretamente alinhada ao seu mapa de materialidade, já que qualquer dano causado nesse contexto afeta diretamente a imagem da empresa e, consequentemente, suas ações.

Já no critério de localidade, o ESG limita a atuação da empresa geograficamente. Isso porque, aos olhos dos investidores, é preciso reduzir o risco no entorno de onde a empresa atua, de modo que populações locais sintam menos o impacto em suas comunidades, e com isso não se tornem um risco para os negócios.

Sei que parece um pouco frio e calculado, mas é isso mesmo. ESG não é sobre melhorar o mundo, é sobre reduzir riscos. Tanto é que faz parte das análises de risco das empresas.

Apesar disso, mesmo sob esse aspecto, é um avanço. Agora, as empresas se preocupam em prevenir seus danos ao invés de apenas limpá-los depois.

Mas esse hiperfoco na redução de riscos tornou o investimento social privado um limitador para alguns temas, como o combate à fome.

Dos 116 relatórios de ESG entregues à B3 (Bolsa de Valores) em 2022, apenas 16 continham a prioridade na ODS 2 Fome Zero (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU). Destas, quase a totalidade é de empresas de alimentos que têm, claro, no seu mapa de materialidade a questão da segurança alimentar.

Dos 116 relatórios de ESG entregues à B3 em 2022, apenas 16 continham a prioridade na ODS 2 Fome Zero

Rodrigo 'Kiko' Afonso

diretor-executivo da Ação da Cidadania

No ano em que atingimos o pior índice da história do Brasil em relação à fome, grandes empresas estão "amarradas" pelo ESG para investirem no tema. Boa parte dos recursos vem do marketing, que infelizmente não são contínuos e muito menos duradouros.

A visão ESG precisa ser ampliada e isso precisa partir de quem cria os mapas de materialidade das empresas e seus conceitos. Fome e a segurança alimentar têm ligação direta com saúde, educação, violência, emprego e renda, meio ambiente e até com democracia.

Não existe democracia em um país com 125 milhões de brasileiros que não têm certeza se terão comida suficiente na mesa semana que vem.

Sem alimento, não se estuda, não se procura emprego, não se desenvolve um país. São as gerações presentes e futuras, os trabalhadores, empreendedores, cientistas que poderiam ser e não serão porque precisam todo dia ir à rua buscar algo para sobreviver nos sinais, nas ruas e na vida.

Não existe democracia em um país com 125 milhões de brasileiros que não têm certeza se terão comida suficiente na mesa semana que vem.

Rodrigo 'Kiko' Afonso

sobre os 15% de brasileiros com fome

A empresa que não compreende que não combater a fome é o maior risco de todos está completamente cega diante da tragédia social na qual ela está totalmente inserida e que, em alguns casos, é até causadora.

Neste ano desafiador, lançamos o Pacto pelos 15% com Fome, o 15 por 15 (15por15.org). Assim como em 1993, quando Betinho convocou a sociedade a agir, precisamos fazer novamente um pacto contra a fome.

A fome é um risco para toda a sociedade, para o futuro do país e, especialmente, para o presente porque, como sabemos, quem tem fome tem pressa.

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