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Precisamos de um Museu da Bíblia?

Criação do Museu da Pandemia e reconstrução do Museu Nacional demoram a vingar em país que não resguarda suas memórias

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Patrícia Villela Marino

Fundadora e presidente do Instituto Humanitas360 e cofundadora do Civi-co, espaço de trabalho que reúne empreendedores cívico-sociais

O podcast do projeto Querino, idealizado pelo jornalista Tiago Rogero, relembra, em seu primeiro episódio, a história do Museu Nacional –aquele que pegou fogo em 2018. O narrador recorda que o prédio era, originalmente, residência da família real no Brasil, oferecido de presente por Elias Antônio Lopes, um grande traficante de escravos.

Com toda a complexidade típica daquilo que é bem brasileiro, contemporaneamente o Museu Nacional abriga (dentre o que não se perdeu no fogo) o mais rico acervo do país de geologia, paleontologia e antropologia, além de funcionar como grande centro de conhecimento da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Fachada do Museu Nacional, no Rio de Janeiro - Divulgação

Para a reconstrução do Museu Nacional, iniciada no final do ano passado, ainda faltam ser arrecadados cerca de 35% dos R$ 350 milhões necessários para a reforma completa.

Em 2021, uma iniciativa liderada por um grupo de profissionais de diversas áreas propôs a criação do Museu da Pandemia no Brasil, um espaço (inicialmente digital, futuramente também físico) que faça com que não nos esqueçamos do que passamos nos últimos anos no país.

"Aprendemos com o passado a não cometer os mesmos erros no futuro", como eles mesmo dizem em suas campanhas.

O museu até agora arrecadou pouco mais de R$ 60 mil, de uma meta total de R$ 360 mil, que seria o previsto para a criação de uma grande mostra digital, além de atividades educacionais e toda a gestão do espaço.

Enquanto iniciativas como essa demoram a vingar, ou –como nos casos do Museu Nacional e do recém-inaugurado Museu do Ipiranga– vivem em reformas que se arrastam por anos, temos assistido aos processos de inscrições e editais para a construção do Museu da Bíblia em Brasília, projeto do Distrito Federal previsto em R$ 26 milhões, segundo divulgado pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF, responsável pela licitação da obra.

Como cristã, fico intrigada e sou fortemente provocada todos os dias à prática do cristianismo nas ruas, nas prisões deste país, nas trincheiras da desigualdade racial para andar com quem Jesus andou, falar com quem Ele falou, escutar quem só Ele escutou, defender os que Ele defendeu: pobres, párias, incapacitados, mulheres tidas como poucas e depravadas. Tudo isso implica na vivência da Bíblia por inteiro e constantemente.

Estes ensinamentos precisam estar impregnados em nós, e não num museu. Coloquemos nos museus relíquias a serem aprendidas. A Bíblia não carece do apreço mas do respeito, uso e reuso, sem reciclagem, mas com revelação.

A escravidão, o trabalho escravo, o abuso sexual infantil e juvenil, o racismo, o machismo, a violência doméstica, o colonialismo, o autoritarismo, a ditadura e todo tipo de dogma e legalismo, estes, sim, devem estar em museus para constrangimento pedagógico e reparação histórica.

A Bíblia precisa ser estudada e vivida não como livro de idolatria, mas como direcionamento de fé e de novos padrões e parâmetros baseados em reconciliação, compaixão, tolerância. Aquilo que nos diferencia não nos divide.

Eu me pergunto: Que histórias sobre nosso país estamos querendo contar?

Como um "Museu da Bíblia" pode ser mais relevante do que um projeto para resguardar a memória triste da pandemia no país ou, ainda, como outros tantos equipamentos públicos sofrem com o descaso da falta de investimento, preteridos em lugar de construções mirabolantes e ideias pouco cívicas?

São questões sobre as quais me pus a refletir, e que o podcast do projeto Querino também ilumina em seus oito episódios.

A narrativa do Brasil como um país sem conflitos, contradições e desigualdades é que precisa ser queimada, e dar lugar a essas outras histórias que vêm sendo resguardadas graças a gerações de griots e de pessoas que conduzem suas vidas e suas comunidades como verdadeiros tesouros históricos. Valorizemos isso.

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