Patrícia Campos Mello

Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA. É vencedora do prêmio internacional de jornalismo Rei da Espanha.

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Patrícia Campos Mello

Brasil e Estados Unidos, a verdade nas entrelinhas

O diplomatês e o politiquês são línguas ingratas, mas vale se debruçar sobre elas.

Nesta quinta-feira (25), duas altas autoridades do governo americano fizeram um briefing para jornalistas sobre a visita que a presidente Dilma Rousseff fará aos EUA a partir de 27 de junho. Por telefone, o vice-conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Ben Rhodes, e o diretor de Assuntos do Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional, Mark Feierstein, fizeram acrobacias para responder de forma inofensiva as perguntas dos repórteres.

Pergunta: Há relatos de que o governo brasileiro não irá anunciar metas de redução de emissões no comunicado que deve fazer com os EUA, de olho na conferência do clima de Paris....

Resposta: Estamos engajando vários países-chaves para comprometimentos... está no topo da agenda.... o governo brasileiro irá determinar quando irá divulgar suas metas, mas ressaltamos que comprometimentos são muito importantes para o mundo, que podem dar impulso. Nós divulgamos nossas metas, é a nossa maneira. Mas há outras formas de se fazer isso, como divulgar metas de energia limpa.....

(Leia-se: eles queriam metas concretas do Brasil, não vai acontecer, devem ter metas variadas de meio ambiente.)

Declaração: Os Estados Unidos querem trabalhar com o Brasil em "questões de direitos humanos em foros multilaterais".

Contexto: os EUA ficaram incomodados com o fato de que o Brasil, no fim de março, absteve-se na votação de duas resoluções na ONU sobre a situação dos direitos humanos no Irã e na Síria. Foi a primeira vez, desde 2011, que o país se absteve em uma votação condenando o Irã no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Pergunta: O governo americano pediu desculpas à presidente Dilma Rousseff pela espionagem da NSA, como a líder brasileira havia pedido?

Resposta: A visita mostra que nós superamos o assunto ("move on"). Não temos por prática nos desculparmos por causa da vigilância, mas fizemos mudanças na forma como a NSA recolhe informações, especialmente de líderes, a não ser que haja ameaça à segurança.

(Ou seja: não pediram desculpas, mudaram uns detalhezinhos na NSA, e a presidente Dilma entendeu que o assunto já tinha rendido e resolveu desencanar.)

Também no resumo do telefonema feito pelo vice-presidente Joe Biden à presidente Dilma Rousseff na quinta (25) há entrelinhas interessantes.

"Ele (Biden) também enfatizou a importância de trabalhar com o Brasil e outros parceiros para produzir um robusto acordo de clima em Paris em dezembro e a importância econômica de facilitar as viagens entre Estados Unidos e Brasil."

Leia-se: Brasil continua querendo isenção de vistos, mas ainda não vai acontecer. Os países gostariam de, pelo menos, anunciar uma data de início do Global Entry, programa que facilita a entrada de viajantes frequentes nos Estados Unidos, sem, no entanto, liberá-los do visto. Mas as áreas técnicas ainda estão discutindo, então o que deve haver é um anúncio de que sim, queremos implementar o Global Entry o mais rápido possível, mas ainda não temos a data certa.

O acordo de Open Skies, que liberaliza as rotas aéreas (Delta poderia operar Fortaleza - Teresina e empresas brasileiras nos EUA) era de grande interesse dos americanos. Mas ainda não foi enviado ao Congresso brasileiro, por oposição de sindicato de aeroviários e uma companhia aérea.

Nada como uma boa tradução.

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