Patrícia Campos Mello

Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA. É vencedora do prêmio internacional de jornalismo Rei da Espanha.

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Patrícia Campos Mello

A vitória da pós-verdade

"Todos têm direito a suas próprias opiniões. Ninguém tem direito a seus próprios fatos".

A frase, atribuída ao grande senador americano Daniel Patrick Moynihan (1927-2003), nunca foi tão verdadeira.

"Pós-verdade" foi eleita a palavra do ano pelo dicionário Oxford. Segundo o dicionário, a palavra refere-se a "circunstâncias em que os fatos objetivos têm menos influência sobre a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais". Na definição da revista Economist, "apoiar-se em afirmações que parecem verdadeiras mas não estão baseadas em fatos."

Os lexicógrafos do Oxford escolhem a palavra do ano como forma de refletir "o ethos, o estado de espírito e as preocupações" de um determinado ano.

Portanto, é bastante apropriado entronar o "pós-verdade" no ano em que o Brexit e a eleição de Donald Trump provaram que a verdade deixou de ser relevante para muita gente.

A campanha do Brexit martelou o exagero que ser "sócio" da união Europeia custa ao Reino Unido US$ 468 milhões por semana e mentiu que a entrada iminente da Turquia traria hordas de imigrantes ao bloco. Acabou ganhando no referendo.

Trump certamente será eternizado como o político mais mentiroso da História (e olha que a concorrência é grande, hein, Eduardo Cunha "dinheiro do truste não é meu dinheiro"). Acabou eleito presidente.

Só uma pequenas amostra de inverdades trumpianas, que são repetidas ad nauseam:

- muçulmanos comemoraram em New Jersey depois do ataque de 11 de setembro. (Nunca aconteceu)

- o presidente Obama nasceu no Quênia. (Mentira)

- desemprego entre os jovens negros nos EUA é de 58%. (não chega a 28%)

O ano de 2016 provou que mentira tem perna curta, mas isso não tem a menor importância.

Qualquer falsidade pode ser imediatamente desmentida com ajuda de vídeos no YouTube, gravações (sim, Trump apoiou a invasão do Iraque em entrevista ao Howard Stern) e os checadores (aplausos para Politifact, Washington Post, NYTimes, Agência Lupa, Aos Fatos).

Depois de tanto mentir, Trump ganhou o troféu Pinoquio e "calças em fogo" do Washington Post e do Politifact.

E qual foi a reação das pessoas? Para os 60 milhões de americanos que votaram nele, não fez diferença.

Trump anunciou que Bannon será o principal estrategista da Casa Branca em seu governo.

Resta torcer para que "alt-right" não seja a palavra do ano em 2017.

Crédito: Mandel Ngan/AFP O presidente eleito Donal Trump fala no dia seguinte à sua vitória eleitoral
O presidente eleito Donal Trump fala no dia seguinte à sua vitória eleitoral
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