Patrícia Campos Mello

Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA. É vencedora do prêmio internacional de jornalismo Rei da Espanha.

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Patrícia Campos Mello

Não abra o champanhe ainda, o aço barrado pelos EUA vai sobrar para alguém

Trump suspendeu cobrança para o Brasil, mas tarifa desencadeará escalada retaliatória 

Com carrinho com caixas verdes empilhadas, homem chinês de preto fala ao celular ao passar pela calçada de uma loja de produtos americanos em Pequim; à direita, um banco com formato de foguete com assento com formato da bandeira dos EUA
Homem passa com caixas perto de loja de produtos americanos em Pequim; China já anunciou medidas retaliatórias contra EUA - Ng Han Guan/Associated Press

Respiremos aliviados, o Brasil escapou da tarifa de Trump sobre o aço, pelo menos temporariamente.

Brasil, Coreia do Sul, Argentina, Austrália e UE, além dos anteriormente anunciados Canadá e México, terão as tarifas de 25% sobre aço e 10% sobre o alumínio suspensas enquanto negociam a exclusão definitiva das sobretaxas, até 30 de abril. 

Rússia, Turquia. Japão, Taiwan, China e Índia, que estão entre os 10 maiores exportadores, não estão na lista de suspensão e as tarifas passam a incidir sobre os produtos desses países a partir desta sexta-feira (23).  

Mas antes de abrir o champanhe, façamos a seguinte conta: Considerando os dez maiores exportadores de aço para os Estados Unidos, um total de 7,14 milhões de toneladas de aço passará a pagar uma tarifa de 25%, o que pode inviabilizar em grande parte a exportação. Essa é a soma das exportações de Rússia, Turquia, Japão, Taiwan e China, que não entraram na lista de suspensão de tarifas.

Para se ter uma ideia, isso corresponde a cerca de metade de todas as exportações de laminados e semiacabados de aço do Brasil em 2017.

Esses exportadores precisarão achar outros países para comprar seu aço, pelo menos em parte. E isso começa a gerar reação em cadeia.

“Esse aço sobrando vai entrar onde houver maior vulnerabilidade, a UE já está se fechando, o Japão provavelmente fará o mesmo, pedimos uma defesa comercial ágil, para que o Brasil não seja depositário desse desvio de comércio”, disse nesta quinta-feira Marco Polo de Mello Lopes, presidente do instituto Aço Brasil.

Traduzindo –as siderúrgicas querem que o governo monitore e, em última instância, imponha barreiras para evitar um aumento de importação de aço no Brasil.

“No momento em que nosso mercado interno se recupera, não podemos ser inundados por desvio de comércio por conta do fechamento do mercado americano”, disse.

A União Europeia já indicou que pode adotar salvaguardas se o desvio de comércio provocar um surto de importação de aço no bloco.

Ou seja –mesmo quem foi poupado (ao menos temporariamente) do desvario tarifário de Trump vai entrar na guerra comercial, para se proteger daqueles que não foram poupados.

E assim sucessivamente, até involuirmos para 1930. (Isso sem nem incluir as possíveis retaliações contra o tarifaço de Trump sobre US$ 60 bilhões em produtos da China).

A chamada lei das tarifas Hawley-Smoot, adotada em 1930, impunha sobretaxa sobre quase mil produtos importados pelos EUA.

Ela levou a uma série de retaliações, aprofundou a Grande Depressão e pavimentou o caminho para a Segunda Guerra Mundial. Tipo de coisa que todo mundo quer repetir, não? 

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