Patrícia Campos Mello

Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA. É vencedora do prêmio internacional de jornalismo Rei da Espanha.

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Patrícia Campos Mello

Preparem-se para a guerra comercial

Imposição de taxa na importação de aço pelos EUA deve levar a corrida entre países

Funcionários do mercado de aço de Yichiang, na região central da China, preparam bobinas para transporte
Funcionários do mercado de aço de Yichiang, na região central da China, preparam bobinas para transporte - Chinatopix - 1.ago.2016/Associated Press

Há cheiro de guerra comercial no ar —e o Brasil deve ser uma das vítimas. O presidente Donald Trump afirmou em reunião com empresários que anunciará na semana que vem tarifas de 25% sobre aço importado e 10% sobre alumínio

Os Estados Unidos absorvem um terço de todo o aço importado pelo Brasil. O lobby do aço brasileiro já afirmou que vai recorrer da decisão ao Departamento de Comércio, caso ela se confirme.

Mas não está descartada a possibilidade de vários países recorrerem à OMC ou, simplesmente, começarem uma guerra de tarifas.

O alvo das ameaças comerciais americanas é sempre a China —e, de fato, as tarifas que Trump baixou em janeiro sobre painéis de energia solar e máquinas de lavar, miravam a indústria chinesa.

Mas no caso do aço, os principais afetados são parceiros estratégicos dos EUA, como Canadá, México, Coreia do Sul e União Europeia, ao lado do Brasil.

“Se forem impostas restrições sobre produtos de alumínio e aço canadenses, o Canadá vai adotar medidas para defender seus interesses comerciais e seus trabalhadores”, disse a chanceler canadense, Chrystia Freeland.
 
“Nós condenamos fortemente a medida, que representa uma intervenção gritante para proteger a indústria doméstica americana e não se baseia em nenhuma justificativa de segurança nacional”, disse o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker

“Nós não vamos assistir impassíveis enquanto nossa indústria é atacada com práticas injustas que ameaçam milhares de empregos na Europa...a EU vai reagir de forma firme e proporcional para defender nossos interesses.”

Fora o fato de a medida ser um tiro no pé.

Os EUA não são autossuficientes em aço, precisam importar —as tarifas vão encarecer os produtos para o consumidor final americano, ou, pior, estimular a importação de produtos acabados, prejudicando as indústrias automobilística e de eletrodomésticos.   
 
Vale lembrar que em 2002 George W. Bush impôs salvaguardas para o aço, mas suspendeu dois anos depois, após a OMC declará-las ilegais e a indústria automobilística americana ter sangrado.
 
O governo brasileiro ainda analisa a situação, não há nenhuma confirmação de que os EUA realmente imporão tarifas (Trump, há que se dizer, tem comportamento errático).

Caso imponha, o país teria dois caminhos para entrar na OMC, , segundo análise do governo brasileiro. Se os EUA alegarem que as tarifas são salvaguardas, pode-se contestar que houve aumento súbito e significativo das importações de aço, que justificariam a imposição das ditas salvaguardas (e que as estatísticas comerciais não corroboram).

Caso afirmem que a medida se insere nas exceções por segurança nacional previstas pelo GATT (o “pai” da OMC), pode-se discutir se redução de empregos na indústria siderúrgica e capacidade ociosa realmente configuram ameaça à segurança nacional.

Não existe decisão ainda sobre recorrer, ou não, à OMC.

De qualquer maneira, é de se prever que o governo Trump aproveitaria a oportunidade para mais uma vez ignorar –ou tripudiar— a OMC, um dos símbolos do multilateralismo abominado pelo presidente americano.

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