Patrícia Campos Mello

Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA. É vencedora do prêmio internacional de jornalismo Rei da Espanha.

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Patrícia Campos Mello
Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Bolsonaro abusa da antidiplomacia presidencial

Em vez de culpar embaixadores ou Inpe pela má fama do país, ele deveria engolir a bile e segurar a onda

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O presidente Jair Bolsonaro já culpou embaixadores brasileiros pela péssima imagem do Brasil no exterior.

Ao anunciar em março que trocaria 15 embaixadores, disse que muitos não estariam “vendendo uma boa imagem do Brasil no exterior”.

Agora, aponta para a divulgação de números sobre desmatamento como culpados pela má reputação dele e a do país. "A fama do Brasil e a minha é péssima lá fora tendo em vista os rótulos que foram colocados", disse, referindo-se à divulgação feita pelo Inpe.

Que tal um pouco de autocrítica e um freio na ofensiva antidiplomática que Bolsonaro vem empreendendo?

Fala-se muito sobre a diplomacia presidencial —o maior envolvimento pessoal dos presidentes na política externa, o poder que eles têm de ajudar a promover os interesses do país e a projetar a imagem da nação no mundo.  

Os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, eram exímios presidentes-diplomatas.

Já o presidente Jair Bolsonaro segue o legado da ex-presidente Dilma Rousseff em sua prática de antidiplomacia presidencial —ele consegue atrapalhar o trabalho dos diplomatas.

O famigerado “cano” que Bolsonaro deu no ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, e subsequente live cortando o cabelo são o melhor exemplo de como ameaçar anos de trabalho meticuloso de técnicos e diplomatas.

O governo brasileiro conquistou um grande trunfo neste ano —o anúncio do acordo entre UE e Mercosul, após mais de 20 anos de negociações. Grande parte do trabalho havia sido finalizado no governo Temer, mas não se pode tirar o mérito do governo Bolsonaro que, ajudado pela conjuntura da escalada protecionista americana e guerra comercial com a China, conseguiu finalmente bater o martelo.

Sim, Le Drian esteve no Brasil e se reuniu com ONGs. Isto é normal, faz parte dessas visitas fazer contatos com representantes da sociedade civil. O Brasil não é a China ou a Rússia, onde muitas ONGS estão proscritas.

Mas Bolsonaro não conseguiu controlar a bile e resolveu mostrar quem manda.

“O que que ele veio tratar com ONG aqui? Quando fala em ONG, já nasce um alerta na cabeça de quem tem o mínimo de juízo. Dá um sinal de alerta”, disse, enquanto desenhava um sinal de interrogação com a mão.

“Eu tenho estratégia de como agir em dado momento. Ele marcou audiência comigo. Aí fiquei sabendo que ele tinha marcado com o Mourão, tinha marcado com ONGs. Quem é que ferra o Brasil? ONGs.”

Como apontou Mathias Alencastro, colunista da Folha, a ida de Le Drian a Brasília “tinha tudo para selar uma aliança entre dois governos ideologicamente antagonistas”.

Bolsonaro optou por humilhar Le Drian, cancelando o encontro bilateral na última hora e surgindo logo depois, numa live, cortando o cabelo. Diante de tal comportamento niilista, o governo francês não terá escolha senão abandonar a tentativa de aproximação com o Brasil.”

A ex-presidente Dilma é um ótimo exemplo da antidiplomacia presidencial —do chá de cadeira de meses que deu em 32 diplomatas que esperavam para apresentar credenciais (procedimento para que eles se tornem oficialmente representantes de seus países) a sua habitual má vontade de receber ministros estrangeiros, ela conseguia sabotar o trabalho diplomático.

Bolsonaro, antes de sair caçando bodes expiatórios, deveria engolir a bile e economizar na antidiplomacia presidencial. 

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