Patrícia Campos Mello

Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA. É vencedora do prêmio internacional de jornalismo Rei da Espanha.

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Patrícia Campos Mello

Embaixadores disputam o troféu de bolsonarista do ano

Para agradar a Bolsonaro, alguns diplomatas capricham nas críticas partidárias

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Alguns embaixadores estão levando às últimas consequências a missão de defender o governo Bolsonaro no exterior.

O embaixador do Brasil em Madri, Pompeu Andreucci, enviou na quarta-feira (30) uma carta colérica à diretora do jornal espanhol El País, Soledad Gallego-Díaz.

Na missiva, Andreucci critica um artigo de opinião de Breno Altman, “O Brasil caminha à beira do precipício”, publicado no jornal em 28 de outubro.  

O embaixador diz que “o texto está repleto de ofensas pessoais, desprovidas de qualquer fundamento e dirigidas de maneira irresponsável ao presidente da República do Brasil, Jair Bolsonaro, que foi eleito pelo voto democrático de mais de 55 milhões de brasileiros.”

Segundo o diplomata, ao associar ao presidente do Brasil “adjetivos” (sic) como racismo, misoginia e servilismo, “o autor não somente demonstra sua inclinação ideológica e irresponsabilidade, como também demonstra ter desenvolvido um quadro grave de ‘alethefobia (medo da verdade)’”.

Além de recorrer de forma pedante e desnecessária ao grego, talvez em homenagem ao chanceler Ernesto Araújo, que adora citações em grego, alemão e tupi, o embaixador recita todos os pontos-chave do discurso preferido do governo para mobilizar seus apoiadores mais entusiasmados.

Andreucci diz que a política econômica “de orientação marxista” levou o país à beira do precipício, afirma que “a esquerda” distorce a realidade e acusa o articulista de usar “arcaicas expressões filomarxistas” e de não ter “honestidade intelectual”.

O embaixador afirma que “o tom rancoroso de seu texto, coalhado de tópicos e expressões de raiz marxista, reflete a filiação político-partidária do autor, cujo projeto de poder foi clamorosamente derrotado nas urnas pela vontade popular do povo brasileiro” (um pleonasmo).
 
O embaixador brasileiro na Espanha gasta seu precioso tempo escrevendo cartas inflamadas para contestar um artigo de opinião. De novo, opinião, o que, segunda consta, é livre.

Imagine se os embaixadores dos Estados Unidos passassem seu tempo contestando críticas a Donald Trump em artigos publicados em jornais de outros países?

Mas, aparentemente, existe uma competição entre alguns diplomatas para mostrar ao presidente Jair Bolsonaro quem é mais partidário.

Em março, Bolsonaro declarou que iria trocar vários embaixadores, porque eles não estavam defendendo a imagem dele no exterior.

O presidente afirmou que sua imagem era muito ruim e que os embaixadores precisariam não apenas defender a imagem do Brasil, mas também “não apresentar o governo e o presidente como se fosse racista e homofóbico”. 

Bolsonaro exonerou o embaixador em Paris, Paulo César de Oliveira Campos —o POC, como era chamado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem foi chefe do cerimonial durante mais de seis anos—, e o substituiu por Luis Fernando Serra, que mostrou logo seu fervor partidário.

Deu várias entrevistas combativas defendendo a política ambiental do governo Bolsonaro, criticada por causa das queimadas e do desmatamento na Amazônia. Disse que Lula era “queridinho da imprensa” e que “a esquerda não admite perder eleições no Brasil”.

O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, também criticou diplomatas brasileiros, dizendo que muitos eram de esquerda e haviam “achincalhado” o país por serem contra a eleição de Bolsonaro.

O embaixador Andreucci, que foi o onipresente chefe de cerimonial de Michel Temer, decerto deve estar querendo reforçar suas credenciais bolsonaristas.

No ano passado, ele já havia escrito ao diário espanhol criticando um editorial que lamentava a eleição de Bolsonaro.

A embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, a Lelé, representante permanente do Brasil junto às Nações Unidas, é outra que vem se esmerando para demonstrar sua fidelidade à cartilha bolsonarista.

A camaleoa Lelé, que foi chefe de gabinete do ex-ministro Celso Amorim, vai muito além do esperado de diplomatas em termos de defesa de políticas de governo. Ela protagonizou um antológico bate-boca com o ex-deputado Jean Wyllys no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

“O presidente Bolsonaro não fugiu do Brasil após a tentativa real —e muito televisionada— de tirar sua vida”, disse, em discurso publicado na conta oficial da delegação brasileira em Genebra no Twitter.

“O governo Bolsonaro não é uma organização criminosa. Nem o presidente Bolsonaro é fascista ou autoritário. Ele não cuspiu na cara da democracia.”

Nestor Forster, encarregado de negócios que deve assumir o cargo de embaixador do Brasil em Washington, também tem se dedicado a contestar o que vê como falsas narrativas sobre o governo brasileiro no exterior.

Mas Forster se absteve de acusar a esquerda ou o PT em suas missivas. Por ser olavista de longa data e conhecidamente conservador, talvez Forster ache que não precise recorrer ao Fla-Flu.

O diplomata enviou carta a deputados democratas que questionaram a colaboração do Departamento de Justiça americano com a Operação Lava Jato, dizendo que os legisladores “receberam informações erradas”.

Em entrevista para a NPR (Rádio Pública Nacional, na sigla em inglês), disse que havia “histeria injustificada” em relação às queimadas na Amazônia.

Também enviou carta ao Washington Post contestando editorial do jornal americano sobre a Amazônia, “cheio de imprecisões graves e pressupostos errados sobre as políticas ambientais adotadas pelo governo brasileiro”, e missiva ao Peterson Institute for International Economics (PIIE), contestando relatório da economista Monica de Bolle, pesquisadora da instituição e diretora de Estudos Latino-Americanos na Johns Hopkins University. 

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