Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

Folha, 97, e a modernidade das notícias

Leitores reclamam de problemas técnicos após a tímida reforma visual da Folha

Jornais em todo o mundo já atestaram que o futuro está na audiência digital, mais especificamente a móvel, aquela que acessa notícias por meio de telefones celulares. É onde se verifica o crescimento mais rápido da base de leitores. Poucos sites noticiosos, entretanto, são pensados e projetados primordialmente para a audiência móvel.

Nas edições mais recentes da SND (Society News Design), entidade que premia os melhores desenhos de jornal de todo o mundo, o prêmio de melhor experiência móvel é concedido a sites de fácil navegação, muitos inspirados em conhecidas experiências dos usuários, como o aplicativo Snapchat, por exemplo. Aponta assim para a necessidade de o leitor ter facilidade e diversão na sua navegação.

Criar e pensar jornalismo com prioridade para o consumo móvel e apresentar conteúdo textual em pequenas telas são enormes desafios. A obrigatória transformação —visual, de concepção, de mentalidade— do jornalismo impresso para o digital já tem sido tarefa gigantesca.

Biombo na entrada da redação da Folha
Redação da Folha de S. Paulo - Lalo de Almeida/ Folhapress

Em 1º de fevereiro, sem aviso prévio e com pouco alarde, a versão digital da Folha mudou.

A alteração foi, além de visual, técnica. "Fontes de letras foram criadas ou ajustadas para otimizar a visualização em tela além de melhor legibilidade, proporcionando carregamento mais rápido de páginas, reduzindo o consumo de dados e melhorando a experiência do usuário", informou reportagem de apresentação da novidade.

O novo sistema, que se adapta automaticamente a diferentes tamanhos e formatos de tela, em telefones, computadores e tablets, tornou a atualização mais ágil e o carregamento mais rápido, com menor consumo de dados. Segundo a Folha, as mudanças "vão otimizar o trabalho da Redação, de forma a permitir aos jornalistas dedicar mais tempo à apuração e à edição".

A novidade movimentou a caixa de e-mails da ombudsman em fevereiro. É normal que novidades gráficas levem a reclamações. Tiram o leitor do conforto e obrigam a mudanças de hábito. A maior parte delas estava relacionada a problemas técnicos, em grande parte já resolvidos. Surpreendidos, leitores reclamaram de o jornal não os ter preparado para as mudanças.

A Folha também modificou, nesta semana, o aplicativo que dá acesso a versão digitalizada do jornal impresso. Recebi ainda mais reclamações, especialmente pela impossibilidade de aumentar a letra para facilitar a leitura.

O secretário de Redação Vinicius Mota diz que "alguns problemas técnicos são infelizmente prováveis numa mudança tão profunda e extensa como a que foi realizada nas plataformas digitais da Folha, mas estão sendo atacados e superados conforme são identificados".

Segundo ele, "a despeito desses percalços, a Folha considera ter colocado no ar o melhor projeto digital de sua história, conferindo mais agilidade, sobriedade, hierarquia e clareza ao jornalismo de qualidade que se propõe a praticar. O projeto, como nenhum outro antes dele, concentra as energias da Redação e a atenção do leitor no que há de mais importante e atrativo no noticiário."

Hoje, o consumo de notícias ocorre predominantemente em movimento e no celular. Era de se esperar que a Folha apresentasse ao leitor um redesenho que transformasse —para melhor— a sua experiência digital de forma mais radical. Não foi o que aconteceu. Se a aparência melhorou, em quase nada se diferencia dos concorrentes locais ou se aproxima dos estrangeiros.

Pouco investiu num dos poucos aspectos consensuais dos novos tempos: a relevância dos vídeos ao lado das informações escritas.

Apesar de afirmar que o leitor passaria a encontrar fotos, vídeos e infográficos ampliados nas reportagens e nas páginas principais, não vi nesses primeiros dias nenhum protagonismo de notícias em vídeo.

Os principais jornais do mundo têm investido na produção de narrativas visuais (o que a Folha tem feito quando se trata de projetos especiais), com presença constante e destacada nos sites.

Não há fórmula pronta para o que torna bom um site noticioso para celular. Em ambiente de notícias tão dramaticamente diferente das formas passadas, em que o consumo de informação é muito rápido e fragmentado, ainda há muito mais perguntas do que respostas.

Pesquisas mostram que usuários de dispositivos móveis têm objetivos muito definidos. Eles esperam poder obter o que precisam imediatamente e à sua maneira. Cada minuto que a pessoa gasta lendo informações que já recebeu pode ser considerado perda de tempo e pode levá-la a mudar de enfoque.

Com um tamanho de tela menor e uma audiência com atenção disputada ao extremo, muitos questionam que tipo de conteúdo de notícias prevalecerá. As pessoas se envolverão na leitura de notícias extensas em seus telefones? Alguns estudos têm indicado que sim.

Senhora de 97 anos, completados amanhã, a Folha segue em busca do elixir da juventude noticiosa.

 

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