Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

O estampido nas ruas

Morte de Marielle mostra a urgência em ouvir vozes fora dos gabinetes e em qualificar a cobertura digital 

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Ilustração coluna ombudsman 18/03
Folhapress

Os tiros que mataram a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes demoraram a acordar a Folha. Na noite de quarta-feira, 14, quando o carro em que estavam os dois e uma assessora foi atingido por pelo menos nove tiros, o jornal pareceu não atentar para a importância do episódio. Seus leitores não receberam nenhum alerta.

Na capa da edição impressa do dia seguinte, apenas um título pequeno, sem destaque, sem texto: “Vereadora do PSOL é morta a tiros na zona norte do Rio”.

O horário em que aconteceu o crime pode ter dificultado a publicação de um produto jornalístico de excelência, mas não justifica.

 

A aparente insensibilidade política e jornalística se manteve durante todo o dia seguinte à morte de Marielle e Anderson. A cobertura digital da Folha na quinta (15) foi tímida, sem temperatura, valorizando em excesso o aspecto palaciano, sem esmiuçar os acontecimentos anteriores e posteriores ao crime.

Por muitas horas o site do jornal estampava a seguinte manchete: “Assassinato de Marielle mobiliza Planalto para combater desgaste”, sob a anódina vinheta “Rio de Janeiro”. O noticiário não refletia os diversos desdobramentos do tema.

O clima, as palavras de ordem, a emoção nas ruas pouco foram contados. Quem eram aqueles milhares de manifestantes? Quais entidades se mobilizaram país afora? Qual a repercussão no exterior?

Não se oferecia análises nem depoimentos encomendados. Apenas alguns colunistas que, por iniciativa própria, escreveram sobre o tema, dois deles de economia.

Imagens foram publicadas quase sem edição, um único vídeo ao vivo foi colocado no site, nenhum produzido especialmente. Só na sexta (16) o jornal colocou no ar um vídeo —de ótima qualidade, é bom ressaltar— que mostrava quem era Marielle pela voz de mulheres.

A Folha demorou até a edição São Paulo de sexta-feira para concluir material de melhor qualidade, oferecendo ao leitor do Rio (que recebe edição fechada mais cedo) um jornal sem nada além do que ele já tinha lido na véspera.­­

Na avaliação do secretário de Redação, Vinicius Mota, o saldo da cobertura feita pela Folha foi positivo, apesar de ter havido falhas, como a baixa visibilidade dada ao crime na noite do dia 14 e o pouco destaque na capa do impresso do dia 15.

“Fizemos uma cobertura quente, com clima de rua e novidades da investigação o tempo todo. O lado palaciano só entrou no ar na noite de quinta e foi um diferencial de leitura importante que apenas a Folha produziu com esse grau de amarração”.

Listou reportagens publicadas imediatamente após serem concluídas: os perfis de Marielle e de Anderson, o raio-X do batalhão da PM que ela criticara e o debate sobre o risco de ‘colombização’.

Tem razão Mota ao lembrar que na sexta-feira o jornal conseguiu levar ao leitor informações exclusivas pontuais.

“Foi da Folha o furo sobre a identificação, pela polícia, da placa de um veículo utilizado no crime. Saiu primeiro na Folha a informação de que o lote das cápsulas de projéteis utilizadas no assassinato da vereadora também foi detectado na chacina de Osasco e Barueri, de agosto de 2015”, disse.

Esses exemplos, no entanto, são insuficientes para alavancar uma cobertura de tal magnitude. Esta exige a mobilização de recursos editoriais que deem musculatura e personalidade ao enfoque do jornal.

Na observação feliz de uma colega de profissão, a impressão é de que, se algo assim tivesse acontecido com uma parlamentar negra americana, o jornal teria feito cobertura melhor e mais consistente.

São diversas as dimensões da morte de Marielle Franco: a dimensão palaciana, a dimensão política, a dimensão institucional da democracia, a dimensão policial, a dimensão dos moradores da favela, a dimensão movimento negro, a dimensão LGBT, a dimensão da mulher na política.

A Folha parece estar distante de várias delas. Perdeu a dimensão das comunidades, das manifestações, do que se convencionou chamar de voz das ruas. Sem essa voz, ficou —como sempre— no aspecto palaciano, na modorrenta narrativa dos gabinetes de Brasília.

Não dá para prever se o assassinato de Marielle será o estopim de algo maior nem se as manifestações espontâneas da quinta-feira e da sexta-feira em várias partes do país terão consequência na campanha eleitoral de 2018.

As manifestações de junho de 2013, por exemplo, começaram em um grito por R$ 0,20 a menos na tarifa de ônibus de São Paulo e transformaram-se em luta nacional com efeitos políticos inequívocos.

A primeira lição a tirar é que o jornal precisa estar mais conectado com o que está acontecendo nas ruas, nas redes, fora das instituições formais e tradicionais.

O desafio é imenso, os caminhos são incertos, as opções editoriais e empresariais são variadas e duvidosas.

A segunda é que a qualidade e a agilidade que foram marcas da Folha na era do papel precisam urgentemente ser alcançadas no jornalismo digital.

É mister corrigir aqui falha grave da última coluna. Na lista de entrevistas que entraram para a história, esqueci de mencionar aquela feita por Renata Lo Prete com o então deputado Roberto Jefferson publicada na Folha em junho de 2005.

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