Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

Data venia, jornalistas

Jornal necessita aprimorar sua cobertura jurídica trivial

Ilustração com estátua 'A Justiça', que fica na sede do STF em Brasília
Carvall/Folhapress

Não era Copa do Mundo nem final de novela. Pelas ruas, no entanto, era fácil encontrar grupos de pessoas com os olhos fixos no aparelho de TV. Os debates jurídicos continham frases empoladas e raciocínios tão difíceis de acompanhar quanto os vocábulos que se repetiam.

 

A palavra "teratológico" chegou às redes sociais e virou motivo para corrida ao dicionário. Integrante da Academia Brasileira de Letras, Zuenir Ventura, colunista do O Globo, listou alguns dos que surgiram na sessão que julgou, em 4 de abril, o habeas corpus que poderia impedir a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: "vocação protetiva", "quadro fático", " postura garantista" e "abstrativou", além da monstruosa teratologia e suas variações. Monstruosa, por sinal, é uma de suas acepções no dicionário.

A tradução de palavras e expressões é apenas uma das obrigações —talvez a mais fácil de cumprir— dos jornais. Muito mais importante é traduzir o sentido da decisão, oferecer bastidores, análise, contexto e explicações para o leitor que, na maioria das vezes, ouviu, mas nem sempre compreendeu completamente ou fez os nexos necessários para tal. Em agosto de 2017, tratei aqui do protagonismo de questões jurídicas. De lá para cá a impressão é que esse predomínio só aumentou, com casos que vão da judicialização da saúde aos julgamentos esportivos.

Historicamente a Folha tem iniciativas que demonstram a preocupação com essas questões. Por mais de 30 anos, o advogado Walter Ceneviva escreveu coluna semanal, com "elegância, espírito público e didatismo", nas palavras de um de seus sucessores, o advogado Luís Francisco Carvalho Filho, que hoje se reveza com o professor de direito constitucional Oscar Vilhena Vieira. São didáticos, assertivos e, por vezes, polêmicos e contestadores.

Outro exemplo é a seção "Questões de ordem" publicada quando as circunstâncias exigem. Surgiu em 2013, assinada por Marcelo Coelho, que examinou, explicou e comentou as 53 sessões do julgamento do mensalão. O trabalho magistral repetiu-se no petrolão e na ação contra Lula. Sem ser formado em direito, o articulista experiente, com texto impecável e faro para a notícia, presta atenção nas sessões com olhar de leigo e produz relatos ímpares.

Há mais de dez anos a Folha também mantém o blog de Frederico Vasconcelos, jornalista que mais conhece o funcionamento da Justiça brasileira, pioneiro em reportagens investigativas sobre o Judiciário.

Bem servido no cardápio especial, o leitor sofre no trivial variado. Nesta semana, uma decisão do STJ serviu de exemplo da dificuldade dos jornalistas em ir além da reprodução de decisões herméticas.

A ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu encaminhar à Justiça Eleitoral de São Paulo inquérito que investiga o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) por suspeitas de caixa dois em campanha eleitoral.

O tom da cobertura —não só da Folha— era de que tinha havido favorecimento ao tucano, por ter ficado de fora da Operação Lava Jato. Mas não explicava o porquê. O ex-procurador-geral Rodrigo Janot deu a dica ao afirmar que a decisão "é tecnicamente difícil de engolir".

O editor de Poder, Fabio Zanini, diz não ser possível detalhar as razões do STJ porque o processo corre em segredo de justiça, mas "não há dúvida de que o ex-governador foi favorecido, uma vez que as penas para crime eleitoral são mais brandas do que para crime de corrupção, lavagem de dinheiro etc.".

O Globo mostrou que o STF já havia encaminhado à Justiça Eleitoral, em 2018, processos de Dilma Rousseff, Guido Mantega e Paulo Skaff, e que 25% dos pedidos de inquérito feitos a partir da delação da Odebrecht tiveram igual destino.

Os julgamentos televisionados iluminam a necessidade de preparo e empenho que a cobertura de assuntos jurídicos exige. A proeminência dos tribunais sobre o parlamento e palácios de governo é evidente e deve ser tema de reflexão profunda e investimento continuado.

Foi marcada para maio a retomada do julgamento que restringe o foro especial. Vem aí mais um campeão de audiência, e nova chance para os jornais.

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