Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

Manifestação ou manipulação?

Anúncio de sabatina a Lula provocou recorde de mensagens, estimuladas por grupo de pressão

ilustração mostra uma câmera fotográfica com barras de grades na lente
Carvall/Folhapress

O anúncio de que a Folha, o UOL e o SBT pretendem sabatinar na prisão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como pré-candidato do PT à Presidência da República, desencadeou recorde de manifestações para a ombudsman.

Em meio a centenas de mensagens, uma pequena parte provinha de leitores tradicionais da Folha. A maioria dos missivistas nem sequer leu no jornal a notícia de que os três veículos de comunicação pediram autorização à Justiça para realizar a sabatina. Dizia ter ouvido falar ou se referia a comentários nas redes sociais.

Eles foram instados a reclamar pelo movimento Vem pra Rua: “Que vergonha! Folha, UOL e SBT resolveram sabatinar Lula na cadeia, ignorando totalmente a lei da Ficha Limpa. Vamos escrever para eles reclamando desse absurdo?” conclamava a página do grupo ativista no Facebook.

O episódio levanta dois aspectos que gostaria de tratar aqui. O primeiro é a discussão sobre como o jornal deve se portar na cobertura de um pleito presidencial fragmentado, em que o pré-candidato que mais arregimenta intenções de voto está preso.

Contestada, a pré-candidatura de Lula é um fato noticioso por si. Não cabe ao jornal restringi-la, diminuí-la ou cerceá-la. O ex-presidente, com o nome presente ou não na urna eletrônica, será um personagem relevante do pleito, por alinhamento ou antinomia.

Na busca de dar tratamento equânime aos principais personagens eleitorais, a Folha tem posição inequívoca.

“Há claro interesse jornalístico na sabatina com o ex-presidente Lula, que continua sendo apontado pelo seu partido como pré-candidato a presidente da República. É provável que o Tribunal Superior Eleitoral impeça a candidatura do ex-presidente, mas, até que isso aconteça, não há veto automático a sua pretensão eleitoral”, afirmou o secretário de Redação Vinicius Mota.

Os meandros jurídicos da confirmação ou não da candidatura terão de ser destrinchados. Justa ou injustamente, a presença ou o afastamento de Lula do pleito produzirá impactos que tornam a sucessão de 2018 episódio único, tenso e quiçá traumático.

O segundo ponto é como a Folha deve lidar com pressões e mobilizações de grupos, com táticas persuasivas por vezes agressivas ou artificiais.

Não é a primeira vez que esse tipo de mobilização acontece. Já comentei neste espaço o fato de uma entidade de ateus ter exortado seus seguidores a se queixarem à ombudsman pela ausência de sua linha de pensamento em um debate sobre o papel das religiões.

A iniciativa do Vem pra Rua, um dos grupos que defenderam o impeachment de Dilma Rousseff (PT), é apenas um ensaio do que está por vir na campanha eleitoral. A direção da Folha diz entender que “são naturais as críticas, mais ainda no terreno da política, e as encara com respeito”.

É preciso, no entanto, um filtro de seletividade e balanceamento na análise de avalanches de mensagens como essas. Não podem ser tratadas simplesmente como manipulação política e, por isso, ignoradas. São legítimas as ações de grupos de interesse. Quanto mais mobilizadoras, mais atenção devem ter do jornal.

Outra vez, são fatos noticiosos, mas em vez de quantitativamente apreciadas, como se representassem opiniões individuais convergentes, devem ser submetidas ao escrutínio crítico e a estratégia de grupos deve ser exposta com transparência ao universo dos leitores.

A 140 dias da eleição, a cobertura está morna como a pré-campanha. A fase do lançamento de balões de ensaio de candidaturas está no fim. Parece distante o aparecimento de nome de fora do ambiente político tradicional, após as desistências do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa e do apresentador Luciano Huck.

Uma característica comum em períodos pré-eleitorais é que se pode dizer — e noticiar — quase tudo. As informações publicadas são com frequência contraditórias. Um partido diz hoje uma coisa que logo não vale mais. É muito importante que a Folha forneça a seu leitor informações de bastidores, explicando e relativizando cada movimento, a partir de apuração consistente.

Os pressupostos do equilíbrio, do apartidarismo e da abordagem crítica seguem como balizas essenciais. A Folha volta e meia comete deslizes, como ao dar destaque diferente a entrevistas com presidenciáveis, sem levar em conta critérios objetivos, como o percentual que atingem nas pesquisas de intenção de voto.

Apesar de iniciativas interessantes, como a de reunir eleitores dos principais pré-candidatos para elucidar os motivos do apoio a eles, há muito mais a fazer.

O jornal pouco tem usado das infinitas possibilidades da plataforma digital na abordagem de candidaturas e propostas. Falta um olhar interpretativo mais abrangente sobre a eleição presidencial mais incerta desde a redemocratização.

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