Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

De olho na origem da notícia

Brasil lidera a preocupação com o que é falso e o que é real nas notícias digitais

Onde você leu essa notícia? No Facebook do papai ou no blog de um cara? Ou será que um estranho a retuitou? Será que ela é real ou falsa?

A ironia está estampada em uma campanha da Columbia Journalism Review, revista da faculdade de jornalismo da Universidade de Columbia (EUA), que traz fotos em preto e branco de pessoas lendo o que parece ser um jornal diário tradicional, mas na realidade tem o logotipo substituído por expressões do tipo “Posts do Facebook do pai” ou “Blog de um cara”.

Campanha da revista Columbia Journalism Review, criada pela agência TBWA/Chiat/Day, retrata pessoa lendo jornal com logotipo alterado para 'Post do Facebook do meu pai'
Campanha da revista Columbia Journalism Review, criada pela agência TBWA/Chiat/Day, retrata pessoa lendo jornal com logotipo alterado para 'Post do Facebook do meu pai' - Reprodução


“Esses anúncios foram projetados para fazer as pessoas pensarem sobre a origem das notícias e apreciar a diferença entre notícias reais e tudo o mais”, explicou Kyle Pope, editor-chefe da revista, na conferência anual da ONO (sigla em inglês da Organização de Ombudsmans de Notícias) no início de junho na Holanda.

Com o slogan Jornalismo de verdade importa (“real journalism matters”), a campanha criada pela agência TBWA/Chiat/Day chama a atenção para a importância do jornalismo profissional e para a necessidade de consultar fontes confiáveis de informação, em consonância com a preocupação de parcela expressiva da população mundial.

Reforça o debate sobre a credibilidade dos jornais e das redes sociais. É estímulo para que jornais como a Folha se preocupem diuturnamente com a qualidade do que publicam, sob o risco de cair num balaio de divulgadores de notícias falsas.

Relatório recém-divulgado pelo Instituto Reuters traz dados importantes sobre consumo de notícias por meios digitais. Depois de ouvir 74 mil consumidores de notícias, entre 18 e 55 anos, de 37 países, em cinco continentes, concluiu que 54% estão muito ou extremamente preocupados com o que é real e o que é falso das notícias lidas na internet.

Em ano eleitoral, os brasileiros lideram o ranking: 85% dizem ter essa preocupação, que se manifesta especialmente quando se trata do que é lido nas redes sociais.

Nos últimos 12 meses, o nível médio de confiança nas notícias em geral permaneceu relativamente estável em 44%, em todos os países. Pouco mais da metade (51%) afirma confiar na mídia que usa a maior parte do tempo. Por outro lado, 34% dizem que confiam em notícias que encontram por meio da pesquisa e menos de um quarto (23%) afirma confiar nas notícias que encontram nas mídias sociais.

O Brasil tem 145 milhões de eleitores e 130 milhões de usuários do Facebook. Segundo o relatório, a paixão dos brasileiros pelas redes sociais não mostra sinais de declínio, mas há claramente uma mudança nas preferências acontecendo. Dois terços (66%) dos entrevistados dizem usar as mídias sociais como fonte de notícias, quase igual no ano anterior.

No entanto, o uso do Facebook com esse objetivo caiu de 69% para 52% em dois anos, enquanto o de WhatsApp (48%) e Instagram (16%) cresceu. O Brasil tem a segunda maior base de usuários no Instagram, com 50 milhões de usuários ativos mensais. O WhatsApp reúne 120 milhões de usuários.

Dado relevante é que a maior parte dessa multidão (61%) tem o hábito de compartilhar notícias via rede social ou email, e 38% as comentam nas redes.

Muito se fala no uso de robôs para espalhar mentiras, mas pesquisadores do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) descobriram que as pessoas são os principais vetores de transmissão das notícias falsas.

Após examinar 126 mil histórias postadas no Twitter de 2006 a 2017 por cerca de 3 milhões de pessoas mais de 4,5 milhões de vezes, os pesquisadores concluíram também que alegações falsas eram 70% mais prováveis de ser compartilhadas do que informações verdadeiras.

No engatinhar da campanha eleitoral de 2018, todo o cuidado é pouco. O levantamento do Instituto Reuters traz detalhe precioso: a percepção dos entrevistados de que os políticos estão aumentando propositalmente a confusão ao tentar desacreditar a mídia de notícias tradicional, acusando-a a toda hora de propagar fake news.

Campanha da revista Columbia Journalism Review, criada pela TBWA/Chiat/Day, retrata pessoa lendo jornal com logotipo alterado para 'Retuítes de estranhos'
Campanha da revista Columbia Journalism Review, criada pela TBWA/Chiat/Day, retrata pessoa lendo jornal com logotipo alterado para 'Retuítes de estranhos' - Reprodução

É um debate crucial para o sistema democrático. Na última semana (21 de junho), o presidente do TSE, Luiz Fux, afirmou que, se ficar comprovado que notícias falsas beneficiaram um candidato a ponto de garantir sua vitória, as eleições do Brasil podem chegar ao extremo de serem anuladas.

“A legislação prevê coibir propagandas abusivas. Uma propaganda que visa destruir o candidato alheio configura um abuso de poder que pode levar à cassação”, afirmou.

O ministro se refere a um momento extremo e de dificílima caracterização. O uso de notícias falsas —ou a invocação delas por capciosa estratégia política— ameaça agora o coração do sistema democrático. 

Esse é o tamanho do imbróglio que o jornalismo, os jornalistas e as empresas de mídia ainda parecem estar longe de saber como combater.

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