Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

Goleadas de informação

Copa é evento de imagens em ambiente de hiperconcorrência para jornais

A quatro dias da abertura, ainda não há clima de Copa do Mundo no Brasil. Nem na Folha. Mas o leitor pode se preparar para o domínio amplo do tema nas prioridades da imprensa e da mídia em geral nas próximas semanas. Não haverá quem consiga manter-se distante o suficiente da cobertura esportiva por mais que tente.

É um espetáculo de números estratosféricos. Audiência mundial é de 3 bilhões de pessoas. Cerca de 5.000 jornalistas estarão na Rússia. Nenhum outro acontecimento mobiliza tantos países e tantos profissionais em local específico e espaço de tempo concentrado.

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Carvall

Não se trata apenas de esporte. O investimento russo em estádios e infraestrutura foi de R$ 38,4 bilhões, 23% maior do que o orçamento da Copa no Brasil em 2014. As dúvidas sobre transparência e lisura dos contratos públicos surgiram lá na mesma linha que por cá aconteceram há quatro anos.

O uso político do esporte faz parte da estratégia de Putin para manter-se popular.

Essas vertentes importantes costumam se diluir quando começam os jogos. A paixão pelo esporte suplanta a racionalidade político-econômica. De certa forma, o noticiário passa a refletir tal superação.

Entre 14 de junho e 15 de julho, seleções de 32 países disputam 64 jogos, que começam entre 7h e 15h, no horário brasileiro. A Folha e todos jornais terão desafios de dois tipos totalmente diferentes, com exigências e dificuldades específicas.

Inevitavelmente haverá duas Folhas. Aquela impressa em papel relatará fatos acontecidos no mínimo 10 horas antes, tendo eles sido sobejamente transmitidos, por meio de incontáveis câmeras. À versão digital, caberá a tarefa de informação em tempo real, concorrendo com sites e jornais e TVs de todo o mundo.

A seleção brasileira é atrativo mundial. Assim, a imprensa brasileira estará sob escrutínio semelhante ao dos jogadores. Terá de mostrar se está à altura dos melhores do mundo.

A grave crise político-econômica do Brasil não colabora para que haja distensão do humor e valorização afetiva do espetáculo esportivo. Assim como não permitiu grandes investimentos. Essa frieza está presente nas páginas da Folha. Até agora, o jornal fez edições discretas, sem ousadia editorial ou gráfica, com pouca oferta de diferenciais e atrativos para o leitor.

Na última semana, publicação de vídeo --resumido em reportagem na capa do caderno-- com análise de Tostão sobre os esquemas táticos das seleções favoritas, utilizando-se de jogadores de futebol de botão, foi lúdico presente aos leitores. É  pouco. Muitos reclamam da falta de informações básicas.

“A Copa está chegando, todos os times jogaram amistosos, não dá para acompanhar, vamos dar uma passada nos resultados. Cadê? Nada! Ah, mas no site tem. Pra quê mesmo eu insisto em ler jornal impresso?”, escreveu uma leitora.

A restrição de espaço no papel é uma realidade. O leitor com experiência de Copas passadas, com certeza, achará a cobertura em papel magra. A migração de leitores para o site nem sempre é tão fácil, frequente ou natural.

Quando citei a coexistência de duas Folhas na Copa, fazia referência a esse leitor que não tem experiência de complementação entre o papel e o digital. Satisfazê-lo exigirá a oferta de um leque de reportagens e análises com abordagens menos ligeiras do que aquelas oferecidas pelos meios eletrônicas.

Festa da imagem, a Copa é um espetáculo televisivo, que precisa ser capturado de modo criativo pelas versões digitais dos jornais. Restará ao impresso introduzir reflexão, crítica, contextualização e narrativas criativas, com personagens e ângulos pouco expostos.

A Folha tem --de longe-- o melhor time de comentaristas esportivos. Precisará acrescentar a eles convidados de diferentes perfis que analisem a competição sob variados aspectos. É uma característica da cobertura do jornal que tem se tornado tradicional e eficiente.

A comparação do noticiário geral da Copa com aqueles produzidos por veículos estrangeiros deixa a Folha e a imprensa brasileira léguas atrás. Até jornal econômico, como Financial Times, se saiu melhor do que os nacionais.

O jornal britânico ofereceu a seu leitor uma série de reportagens que tratava da Copa desde o aspecto político-econômico até o comportamental, com uma página excelente sobre moda e outra com guia de acompanhamento nas redes sociais e na televisão.

Não há acontecimento mundial em que os brasileiros invistam tanto seu tempo e paixão como a Copa do Mundo. Cada edição exigirá criatividade para superar a avalanche de informações de todos os tipos e por todos os lados.

A Copa da Rússia deve ser aquela com mais possibilidades de acompanhamento multiplataforma. Se coberta com os olhos no passado, o resultado para os jornais será equivalente ao trágico 7 a 1 da Alemanha em cima do Brasil.

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